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A Análise do Comportamento ignora os processos cognitivos?



Não, de forma alguma, muito pelo contrário. O que os cognitivistas chamam de “processos cognitivos”, os analistas do comportamento chamam de “comportamentos privados ou encobertos” e tal tema consiste em um dos assuntos mais pesquisados nos laboratórios behavioristas (Skinner, 1974).

Para entender um pouco melhor sobre esta polêmica, vale esclarecer inicialmente o que são processos cognitivos. Segundo Kantowiz, Roediger III e Elms (2006), tais eventos consistem em processos implícitos na elaboração do conhecimento. Entre eles, estão inclusos a percepção, a memória, a aprendizagem e a consciência. Os cognitivistas analisam como estes processos acontecem através de um conjunto de estruturas que recebem, filtram, organizam, modelam e retêm os dados provenientes do ambiente.


Neto e Baltieri (2001) elucidam que no modelo cognitivo, pensamentos inadequados podem interferir no humor e no comportamento das pessoas. “É interessante notar que a intensidade dos sentimentos depende em grande parte da forma como a situação é avaliada. Uma análise parcial da realidade gera sentimentos desproporcionais ou inapropriados para lidar com a situação e criar uma solução alternativa” (p. 46).

Nesse contexto, a Análise do Comportamento compreende que os seres humanos quando respondem à generalizações, quando categorizam, formulam regras encobertas, imaginam, respondem a abstrações ou a conceitos, conversam consigo mesmos privadamente, sonham, entre outros; em todos estes exemplos, eles estão simplesmente se comportando. De acordo com Skinner (1974, p. 190), “Não apenas uma análise comportamental não rejeita qualquer um desses ‘processos mentais superiores’ como assume a dianteira na investigação das contingências em que ocorrem. O que ela rejeita é a suposição de que atividades comparáveis ocorrem no mundo misterioso da mente”.



Quando se diz que “pensamentos influenciam o comportamento” esta asserção está correta se compreendermos que o comportamento de pensar verbalmente é quase idêntico ao de falar publicamente, ou seja, produz estímulos verbais e que, estes sim, os estímulos, controlam o comportamento. O que diferencia pensamento e fala é apenas a fronteira do organismo com o meio externo (Tourinho, 2000). Falar consigo mesmo é emitir regras para si mesmo, tais regras também podem fazer parte das contingências que controlam os comportamento humanos.

Vamos tomar um exemplo para análise: João olha para a cesta de pão na cozinha e percebe que ela está vazia. Assim, ele pensa “preciso comprar pão!”. Será que este pensamento exerce controle sobre os comportamentos futuros de João?

Em parte sim. Pois quando se trata de eventos privados, eles podem ser tanto respostas, quanto estímulos. Ou seja, uma resposta encoberta pode produzir um estímulo sensorial, que serve de estímulo discriminativo (Sd) para comportamentos públicos.

Veja o diagrama a seguir (clique na imagem para ampliar):


Perceba que o pensamento não teve surgimento espontâneo, ele foi uma resposta com origem em uma operação estabelecedora (ambiente) e foi este contexto que controlou sua resposta de pensar, produzir um Sd e então, ir à padaria.

Vale ressaltar que caso este comportamento fosse improdutivo e quiséssemos modificá-lo, por exemplo, se João fosse alérgico à pão, teríamos que alterar o contexto que o controla a resposta, como, por exemplo, suprir a OE de privação de alimento com algum alimento equivalente, ou buscar um pão a que ele não tivesse alergia. 

Reformular as regras inadequadas (ou “pensamentos disfuncionais”) que controlam seus comportamentos é de grande importância na terapia analítico-comportamental, afinal, tais estímulos exercem importante influência no repertório de João, mas não seria suficiente. Um adequado esclarecimento das contingências aversivas, nas quais ele está inserido, fará com que o cliente tenha uma percepção (discriminação) melhor da realidade que o cerca, o que o auxiliará a modificar esse ambiente. A terapia AC também treina no cliente ferramentas de autocontrole (verbais ou não verbais) e o ajuda a alterar estímulos inadequados que exercem controle em seu comportamento.


Com esse exemplo, podemos ver bastante semelhanças nas práticas terapêuticas analítico-comportamentais e cognitivas.

Dessa forma, cabe a nós esclarecermos alguns termos que ainda geram dúvidas em muitos alunos:

1) Aprendizagem: processo pelo qual um comportamento é adicionado ao repertório do organismo. A aprendizagem pode ocorrer de diversas formas como por exemplo, generalização, regras, modelação com instrução, modelação sem instrução, modelagem, diferenciação de respostas, etc. (em geral observamos essa ordem quando queremos saber a velocidade de aquisição – da mais rápida a mais lenta).

2) Pensamento: comportamento privado que ocorre no estado de vigília, pode ser verbal ou imaginativo.

3) Memória: Segundo Guilhardi (2012, p. 1), “usa-se o termo memória nas condições em que o SD, sob o qual a resposta discriminativa foi instalada e que usualmente evoca tal resposta específica, não está fisicamente presente no momento em que a dada resposta é emitida. Por exemplo, após ler repetidamente uma poesia, a pessoa a verbaliza corretamente na ausência do texto. Diz-se, então, que ela tem “boa memória”. Neste exemplo, o fenômeno comportamental consiste em emitir a resposta na ausência do SD textual”. Porém, é importante entender que a resposta de lembrar sempre acontece sob controle de outro estímulo, sem ser aquele com o qual a resposta foi previamente modelada.

4) Percepção: É definida como comportamento perceptivo – um comportamento complexo que se inter-relaciona com muitos outros. É dividido em duas etapas: comportamento perceptivo como precorrente para outras respostas e precorrentes do comportamento perceptivo. No primeiro caso, entendemos o processo da resolução de problemas, no qual o comportamento perceptivo modifica o ambiente, o que permite a emissão do comportamento discriminativo e a solução do problema. No segundo caso, trata-se de uma série de outros comportamentos, tais como, propósito, atenção, e consciência, que modificam a probabilidade de emissão do comportamento perceptivo (para uma revisão mais apurada ver Lopes e Abib, 2002).

5) Consciência: nome usado quando um organismo se encontra em estado de vigília; quando emite tatos sobre alguma situação; ou quando discrimina variáveis de controle de algum comportamento.


Finalmente, podemos perceber que muito do que parece misterioso no estudo do comportamento, consiste em termos que há muito tempo são amplamente pesquisados. É sempre importante buscar compreendê-los bem para melhor usufruir do conhecimento científico.

Caso ainda reste alguma dúvida, traga a sua pergunta para o nosso Portal de Dúvidas!


Por: Maíra Matos Costa



Sugestão de Leitura

Oliveira-Castro, J. M. (1993). "Fazer na cabeça": análise conceitual, demonstrações empíricas e considerações teóricas. Psicol. USP, vol.4, n.1-2, pp. 171-202.

Referências Bibliográficas

Guilhardi, H. J. (2012). O que é a memória para a Análise do Comportamento? Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento. Campinas - SP



Kantowitz, B. H., Roediger III, H., Elmes, D. G. (2006). Psicologia Experimental: psicologia pra compreender a pesquisa em psicologia. Ed. Thomson: São Paulo.



Lopes, C. E. & Abib, J. A. (2002). Teoria da Percepção no Behaviorismo Radical. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Vol. 18, n. 2, p. 129-137.



Neto, F. L., & Baltieri, M. A. (2001). Processos Cognitivos e seu Tratamento no Transtorno obsessivo-compulsivo. Revista Brasileira de Psiquiatria; 23, 46-8.

Skinner, B. F. (1974). Sobre o behaviorismo. São Paulo: Ed. Cultrix.

Tourinho, E. Z. (2000). Fronteiras entre Análise do Comportamento e Fisiologia: Skinner e a temática dos eventos privados. Psicologia: Reflexão e Crítica, 13, 425-434.






Por que estudar o comportamento de animais em um curso de Psicologia?



Segundo Moreira e Medeiros (2007) três fatores podem ser ressaltados para responder a essa pergunta:



1) Continuidade biológica e comportamental 

Toda e qualquer ciência sempre busca testar hipóteses em espécies não humanas, pois os efeitos costumam ser semelhantes aos que ocorreriam nos seres humanos. "Tal fato está relacionado com a teoria da Evolução das Espécies, de Charles Darwin, de que existe uma continuidade biológica entre as espécies" (p. 166). Assim, podemos dizer que todo comportamento, de qualquer espécie, é sensível à estimulação ambiental, o que possibilita os testes com animais.



2) Questões práticas e éticas

Algumas intervenções não podem ser utilizadas com seres humanos, tal com o uso de drogas, punições, cirurgias, entre outros. Além disso, alguns experimentos podem durar muito tempo, o que dificulta a realização do trabalho com seres humanos, que dificilmente gostariam de se voluntariar para trabalhos tão enfadonhos.


3) Complexidade e história de aprendizagem 
Ao manipular animais, temos a possibilidade de trabalhar com animais ingênuos, ou seja, aqueles em que tem sua história de vida controlada em laboratório, evitando vieses de estimulações passadas. Já os seres humanos costumam ter uma longa história de estimulação prévia, o que dificulta o controle das variáveis. Além disso, seres humanos são muito mais complexos quanto ao comportamento do que ratos ou pombos, por exemplo.


Hoje em dia, muitas universidades buscam utilizar nas atividades de laboratório, o CyberRat, um programa de computador que simula os comportamentos de um rato. Dessa forma, os cientistas agem de forma mais ética, evitando abusar do uso de cobaias em laboratório. Outras medidas também são levadas em consideração, tal como o uso de uma cobaia por grupo, ou filmagem de experimentos, entre outros.

Referência Bibliográfica
Moreira, M. B. & Medeiros, C. A. (2007). Princípios Básicos de Análise do Comportamento. Porto Alegre. Ed: Artmed.

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Nosso leitor Edineudo de Souza Ferreira, fez uma pergunta interessante:

Por que penso excessivamente quando estou diante de situações que eliciam ansiedade, se, afinal, esse comportamento parece ser tão improdutivo?



Para responder a essa pergunta, primeiramente devemos lembrar o que é ansiedade. As respostas emocionais podem ser muito bem explicadas através do paradigma respondente. Assim, sabemos que estímulos ambientais possuem o poder de eliciar respostas no organismo, como por exemplo, diante de um alimento, o cão saliva (Skinner, 1953). Como já foi explicado anteriormente neste blog, após uma história de emparelhamento de estímulos, um estímulo neutro é capaz de eliciar novas respostas em um organismo, fazendo com que este desenvolva um repertório específico diante de estímulos presentes em seu ambiente.


   Por exemplo, uma criança que chega perto de um fogão e consequentemente se queima, teve o estímulo fogo (US), eliciador de “dor” (contração muscular e outras respostas), emparelhado com a imagem do fogão (CS). Assim, a partir de então, sempre que esta criança se deparar com um fogão, apenas a imagem do objeto será capaz de eliciar contração muscular e outros respondentes correlatos.
   A ansiedade, portanto, seria um conjunto de respostas emocionais, que ocorre perante um estímulo “pré-aversivo”. Além dos respondentes condicionados, estão presentes operantes de fuga e esquiva também, reforçados negativamente pela evitação do estímulo aversivo.
Certo, e da onde vem o pensar excessivo nessas ocasiões?
   Segundo Skinner (1953) o pensamento consiste em comportamentos encobertos, ou seja, acontecem privadamente, possibilitando o acesso de apenas uma pessoa, quem pensa.
   Quando pensamos verbalmente, este comportamento caracteriza-se como um simples comportamento verbal, porém o falante e ouvinte são a mesma pessoa e o ato acontece privadamente. De acordo com Baum (1994/2007, p. 144):

“Minha auto-instrução poderia ser dita em voz alta, ou poderia ser dita privada ou encobertamente. No laboratório, com instrumentos apropriados, a fala subvolcal pode ser detectada, mas em situações do dia-a-dia é possível dizer coisas pra mim mesmo sem que o aparato fonador seja envolvido de forma detectável. Tal comportamento encoberto, corresponde a um dos usos da palavra pensar, tal como se diz quando alguém está quieto sentado que está pensando consigo mesmo”.

   Portanto, o pensar por também ser um comportamento verbal (afinal, ele pode ser imaginativo) possui treinamento prévio na sociedade como outro operante qualquer. Ao falar comigo mesmo, o estímulo verbal gerado pelo meu comportamento de pensar, pode facilitar mudanças no meu próprio comportamento, como por exemplo, “conte até 10 antes de falar!” ou “acho que devo virar à esquerda”. Ao falar comigo mesmo, a primeira frase citada anteriormente, posso evitar uma crítica em determinada ocasião e com a segunda frase, posso ter como consequência, encontrar um lugar que estava procurando. Assim, o meu “pensar” é reforçado frequentemente, sempre que me exponho às consequências ambientais (Baum, 1994; para uma discussão sobre ambiente interno vide Tourinho, 1997).
   Diante de escolhas difíceis, o pensar pode ser facilmente reforçado. Por exemplo, hoje, após o meu almoço, havia na minha geladeira duas opções de sobremesa, um bolo de chocolate ou uma salada de fruta. A primeira opção sinalizava certos reforçadores, os quais já tive acesso em minha história prévia, como sabor adocicado e suavidade na massa, porém, o estímulo também indicava alto teor calórico. A salada de fruta era um Sd para pouco teor calórico, mas menos açúcar também. Diante desse dilema, refleti e falei comigo mesma “comecei uma dieta há pouco tempo, preciso me controlar!”. Essa “auto-fala”, facilitou a discriminação entre reforçadores e punidores, permitindo uma escolha mais adequada para o contexto em que eu me inseria.


   Situações de tomada de decisão ou contato com estímulos “pré-aversivos”, geralmente estão acompanhados de estímulos condicionados que eliciam ansiedade. Além disso, operantes, como o pensamento, também podem ser evocados nessas situações, por terem facilitado certas decisões de comportamentos de fuga ou esquiva no passado. Lembrando que de forma alguma é o comportamento ansioso que controla o “pensar”, e sim, ambos são comportamentos controlados por estímulos ambientais. (Meyer, 2003).
Mas, afinal, por que é que eu penso tanto, se é tão aversivo pra mim?
   Como já foi dito em postagens anteriores, comportamentos inadequados são selecionados por terem tanto reforçadores quanto punidores como consequências. Certamente, se alguma resposta está sendo mantida, é porque o reforçador que modelou esta resposta teve maior valor do que o estímulo aversivo consequente. O “pensar excessivo” pode ser ineficiente e incômodo quando acompanhado de emoções como ansiedade, mas ele já foi muito produtivo em outras ocasiões. Além disso, ações públicas podem ser muito laboriosas quando colocadas em prática, já o “pensar” exige menos custo de resposta, podendo fazer com que o fantasiar seja ainda mais reforçado. Existe também a possibilidade de que, diante de situações-problema, uma pessoa não possua repertório de resolução amplamente treinado, fazendo com que ela fique fixa apenas no que já teve um maior treinamento, o “pensar em soluções”, assim, ela pensa, pensa e nunca chega a uma solução. Diante do problema não resolvido, mais ansiedade pode ser eliciada, o que evoca novamente mais pensamentos e assim por diante.
O que fazer?
   A terapia analítico-comportamental foca suas intervenções no treinamento de novas respostas, mais produtivas para o sujeito que se queixa. Nesse caso, o terapeuta poderia ensinar ao cliente comportamentos de autocontrole, os quais modificam os estímulos ambientais que o afetam de forma aversiva. Além disso, o cliente aprenderia a reformular regras e auto-regras que controlam seu comportamento inadequadamente, deixando-o paralisado apenas no “pensar excessivo”. Somado a isso, um amplo treinamento de resolução de problemas, com ações públicas e habilidades sociais poderia ser realizado, extinguindo do repertório o “pensar improdutivo”. Afinal, pensamento não pode mudar o mundo se não tivermos atitudes práticas e eficientes que resolvam o problema!

Referências Bibliográficas
Baum, W. M. (1999). Compreender o Behaviorismo: Ciência, Comportamento e Cultura. Porto Alegre. Ed: Artmed.
Meyer, S. (2003). Análise Funcional do Comportamento. Em Costa, C. E., Luzia, J. C., & Sant’Anna, H. H. N. (Orgs.). Primeiros Passos em Análise do Comportamento e Cognição. (pp. 75-91). Santo André (SP). Ed: ESEtec.
Skinner, B. F. (1953). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.

Sugestões de Leitura
Moreira, M. B. & Medeiros, C. A. (2007), Princípios Básicos de Análise do Comportamento. Porto Alegre. Ed: Artmend.
Oliveira-Castro, J. M. “Fazer na cabeça:" uso metafórico e negativo. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v.8, n.2, p.267-72, 1992. 
Tourinho, E. Z. (1997) Privacidade, comportamento e o conceito de ambiente interno. In: Banaco, R. A. (Org.). (1997).  Sobre comportamento e cognição: Vol. 1. Aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista. São Paulo: Arbytes.
Zamignani, D. R. & Meyer, S. B., (2007). Comportamento verbal no contexto clínico: contribuições metodológicas a partir da análise do comportamento. Revista Brasileira de Psicologia Comportamental e Cognitiva, 9, 241-259.

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