Entrevistas

"Não precisamos de teorias da moda na educação. É preciso gerar dados e analisá-los".



Se hoje o curso de Psicologia existe com tamanha força e seriedade nas universidades, nós, psicólogos, devemos muito a Carolina Martuscelli Bori. Ao trilhar um brilhante caminho que passou por disciplinas como filosofia, pedagogia, psicologia da Gestalt, behaviorismo e muitos outros, professora Carolina foi uma das responsáveis por abrir as portas para o que compreendemos hoje por Psicologia Científica no Brasil. Sua história é relatada na entrevista a seguir que ela concedeu a Maria Amélia Matos (Instituto de Psicologia, USP) e a Vera Rita da Costa (Revista Ciência Hoje), pouco tempo antes de seu falecimento, em 2004. A entrevista apresenta sua maneira sábia e ousada de lidar com o conhecimento de forma abrangente, sem limitar-se a apenas uma forma de perceber o mundo e, acima de tudo, sua verdadeira paixão pela ciência. Com a descrição exímia de Maria Amélia Matos, tenho o prazer de apresentar a vocês nossa querida e admirada mestra: Carolina Bori. 

Entusiasmo, determinação, competência, sensibilidade, segurança, simplicidade... São inúmeras as qualidades destacadas pelos colegas e alunos como características da professora Carolina Bori. Entre todas, no entanto, há uma da qual ninguém discorda: "Carolina é uma lutadora infatigável das causas do ensino, da pesquisa e da educação nacional", lembra o físico José Goldemberg, seu colega na USP e na SBPC. Mesmo para aqueles que não tiveram oportunidade de conviver diretamente com a professora Carolina Bori, essa imagem tornou-se presente em razão de sua atuação à frente da SBPC — na qual ingressou como membro do Conselho, em 1969, e da qual nunca mais se afastou. Na SBPC, Carolina Bori ocupou diversos cargos, inclusive a presidência entre 1986 e 1989, até tornar-se por aclamação Presidente de Honra da entidade, posição que ocupa desde 1989. Longe de uma atuação meramente burocrática, a professora Carolina Bori foi incentivadora de iniciativas importantes da SBPC para a divulgação da ciência no Brasil, como a realização de programas de rádio e de conferências que se espalharam pelo país na década de 80. Preocupada em "diminuir a distância entre o conhecimento gerado na academia e o que chega à população", Carolina participou ativamente da criação e desenvolvimento do Funbec, do Ibecc, da Associação Interciência e da Estação Ciência, em São Paulo. Atualmente, fiel ao propósito de melhorar a educação no país, é coordenadora do Núcleo de Políticas para o Ensino Superior (Nupes), da Universidade de São Paulo.

Ao longo de sua carreira acadêmica, trilhada na Psicologia, a professora Carolina Bori revela-se tão infatigável quanto na política e divulgação de ciência. Encontramos sua presença na criação da Sociedade Brasileira de Psicologia, da Sociedade de Psicologia de São Paulo, do Programa de Pós-graduação do Instituto de Psicologia da USP (que coordenou durante quinze anos), da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia, da Associação de Docentes da Universidade de São Paulo e... a lista continua, numa demonstração de participação intensa na implantação e consolidação da Psicologia no Brasil — "urna Psicologia baseada no método científico e na experimentação, como as demais ciências", sentencia Carolina Bori. Rigorosa, ela é também taxativa em sua opção pelo rigor científico da Psicologia. Foi em busca desse caminho que realizou as primeiras pesquisas de campo em Psicologia Social no país, introduziu a Análise Experimental do Comportamento entre nós e desenvolveu o Sistema Personalizado de Ensino. Professora da USP desde 1948, Carolina Bori participou diretamente da implantação da Psicologia em Rio Claro (Unesp), em Brasília (UnB) e em São Carlos (UFSCar). Tendo orientado mais de cem teses de mestrado e doutorado ao longo desses anos, sua presença pode, indiretamente, ser sentida em todo o país.

Professora Carolina, como era a Faculdade de Educação no final da década de 40, quando a senhora ingressou na USP? Por que de sua opção pela educação?

Quando ingressei na USP, a Faculdade de Educação ainda nem existia. Existia apenas um Departamento de Educação ligado à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Eu havia feito o Curso Normal na Escola Caetano de Campos, que funcionava na Praça da República, no centro de São Paulo. O Curso Normal da "Praça" — como chamávamos a Caetano de Campos — era um dos melhores que existiam no país, à semelhança de vários outros que existiam em outras escolas normais, no interior de São Paulo. Essas escolas tinham uma experiência em ensino e formação de professores que se perdeu e que hoje se busca, sem muito sucesso, recuperar. O Curso Normal compreendia um curso básico e uma especialização que durava três anos. Interessei-me por educação porque o curso era prático, voltado para questões do dia a dia da escola. Além disso, o corpo docente da Escola Caetano de Campos era excelente e ligado à universidade. Havia professores muito preparados, que haviam estudado no exterior, como a professora Esther de Figueiredo Ferraz e a professora Annita de Castilho e Marcondes Cabral.

A Faculdade de Filosofia Ciências e Letras já funcionava no terceiro andar da Escola Caetano de Campos?

Ainda não, apenas quando comecei a trabalhar como professora assistente, em 1948, a Faculdade começou a funcionar lá. Quando cursei o Normal, a Caetano de Campos tomava todo o prédio e cobria o ensino de pré, primeiro e segundo graus.

A senhora estava decidida a ser professora?

Estava decidida, sim. Comecei a estudar cedo; com seis anos já freqüentava a escola alemã que ficava próxima de casa, também no centro de São Paulo. Com dez anos acabei o primário e precisei esperar completar onze para entrar no ginásio. A opção por educação foi também uma decorrência da orientação que recebi na escola da "Praça". Naquela época não existia essa grande disputa por vagas e, na educação, não existia nada além do curso de pedagogia.

No entanto, existiam outros cursos, ligados às humanidades, como história, filosofia....

Mas eram muito diferentes do que eu já estudava, que era a educação.

A senhora é nascida em São Paulo?

Sim, sou paulistana. Meu pai era italiano, trabalhava com terraplanagem, fazendo arruamento e construindo estradas, numa época em que muitos bairros de São Paulo estavam começando a existir. Minha mãe era brasileira, não trabalhava, mas tinha muitas habilidades pessoais. Éramos em seis filhos...

Quem foram seus contemporâneos na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras?

Na educação não éramos muitos, mas convivíamos com um grupo mais amplo que era o do pessoal da Filosofia. Como os cursos funcionavam no mesmo local e eram dados pelos mesmos professores, convivíamos bastante. Todas as disciplinas que saiam da esfera da educação eram oferecidas pelos outros departamentos. Eram sempre grupos pequenos, mas muito animados. Lembro-me das aulas de sociologia de Fernando Azevedo — um professor que exigia muito, de maneira extremamente sistemática, e que nos levou, desde o primeiro ano de curso, a freqüentar a Biblioteca Municipal. Lá era ótimo, pois encontrávamos a maioria dos livros e podíamos estudar. Os cursos não eram específicos para a Educação, o que nos exigia muito. Lembro-me dos cursos de filosofia de Jean Maugé e de Roger Bastide.

O ensino nesse tempo era apenas teórico ou já existia uma orientação para o trabalho de campo e a pesquisa?

Seguindo a tradição que estava se firmando na filosofia, era muito teórico. Era-nos exigido conhecer bem e no original os autores, e as aulas, em geral, eram discussões aprofundadas sobre apenas um autor. No primeiro ano, lembro-me de ter estudado Kant com Jean Maugé e de sentir que era preciso dedicação para acompanhar o curso. Os professores eram ilustres e sempre recebiam "convidados" da sociedade paulistana que vinham assistir às aulas. Isso aumentava as discussões e dificultava ainda mais as aulas para nós.

E quando se deu a sua transição para a psicologia?

Foram meus próprios estudos na pedagogia que me levaram à psicologia. A psicologia foi o campo que me pareceu mais seguro, mais ligado ao conhecimento científico, diferente de outras áreas que eram muito filosóficas. Naquela época estava ocorrendo uma mudança profunda na psicologia da USP. Até então, a psicologia era ensinada por um professor francês que via a disciplina como filosofia. Com a entrada da professora Annita Cabral, a psicologia passou a ser ensinada como uma ciência. Isso porque a professora Annita acabara de se doutorar nos Estados Unidos, em uma escola de orientação gestaltista. Então, no curso que ela assumiu na USP, passaram a ser discutidos os estudos experimentais em psicologia — que haviam sido a base da Gestalt.

O que propunha a Gestalt naquela época?

Basicamente propunha uma revisão da psicologia. Antes discutia-se principalmente as faculdades mentais isoladamente, como a memória e a percepção, mas com a Gestalt passou-se a buscar uma visão mais geral do psiquismo humano. A Gestalt está baseada no conceito-chave, chamado isomorfismo, que considera que a forma de funcionar do cérebro reproduz a organização e a estrutura do mundo exterior. Segundo essa idéia, há uma correspondência entre a estrutura cerebral e a do mundo exterior, e os gestaltistas se propuseram a demonstrar essa relação através principalmente do estudo da percepção humana, de como se percebe e se estrutura o mundo exterior. Ao se buscar entender essa interseção entre o cérebro e a realidade, surgiram trabalhos muito importantes sobre aprendizagem e cognição.

A professora Annita fazia pesquisas com essa visão?

Ela ainda era teórica, porque tinha formação em filosofia, mas havia estudado nos Estados Unidos com os principais gestaltistas. Ela trazia uma bagagem muito boa e, embora ela fosse teórica pela formação, ela incentivava os alunos à pesquisa. Foi ela que introduziu a psicologia experimental na USP e imprimiu em nós uma marca diferente — de alguém que conhecia profundamente uma teoria, seus autores e os experimentos em que estes se baseavam. No entanto, a prática ainda se limitava a repetir experimentos já feitos ou a introduzir pequenas modificações nesses experimentos.

Qual foi o seu primeiro trabalho experimental?

Já nessa época fizemos vários trabalhos, principalmente relacionados à educação. Um dos primeiros trabalhos que publiquei foi sobre preconceito racial e regional. Queríamos saber, através de uma medida simples, se havia preconceito ou não na sociedade brasileira e qual sua natureza. Para estudá-lo usamos uma abordagem muito discutida na época — a distância social — em que se propõe à pessoa entrevistada situações de afastamento social, admissíveis ou não. Perguntávamos às pessoas, por exemplo, se elas aceitariam uma pessoa de cor como colega, marido, esposa e assim por diante. Também questionávamos as pessoas em relação à origem — se aceitariam um nortista, um baiano, um sulista etc. para essas posições de relacionamento social e afetivo. Usando essa abordagem, que é uma maneira bastante sensível de medir, o preconceito era revelado. Esses resultados surpreendiam, porque o preconceito racial, social e regional era um problema no Brasil, e ainda o é. Naquela época não se discutia o assunto: dizia-se, até mesmo na academia, que "essa não era uma questão relevante, porque o preconceito não existia na sociedade brasileira".

Em que ano foi feito esse trabalho? A senhora já era professora assistente?

Já. Foi logo que ingressei, talvez em 48 mesmo. Esse trabalho foi publicado na revista da Faculdade de Filosofia e, mais tarde, foi citado no livro de Florestan Fernandes, sobre os negros na sociedade brasileira.

Por que os experimentos nessa época eram sobre variáveis sociais e culturais? Era uma opção ou uma contingência devida à inexistência de laboratórios e equipamentos?

A Gestalt não exigia um laboratório para fazer os experimentos. Bastava disposição para coletar dados, para saber como a pessoa reagia diante de uma situação ou de figuras para você estar na linha de pesquisa e estudo da Gestalt. Mas isso já representava uma mudança radical e incentivou muito a pesquisa em psicologia.

Como era o relacionamento entre os assistentes e os catedráticos na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras?

Quando eu estava no último ano de pedagogia fui convidada pela professora Annita para ser sua primeira assistente na cadeira de psicologia, que pertencia ao curso de filosofia. A cadeira de psicologia não tinha prestígio suficiente para contar com grande número de assistentes. Lembro que quando houve a separação das cadeiras de psicologia e filosofia, que eram oferecidas pelo mesmo professor, foi uma surpresa a psicologia ficar a cargo de uma pessoa da casa e ... mulher. Isso era uma raridade naquela época, em que os professores eram, em sua maioria, homens e estrangeiros. Era tudo muito difícil e era preciso lutar por tudo. O bom é que a professora Annita era uma pessoa extremamente combativa, o que de fato precisava ser, porque a congregação da Faculdade de Filosofia era refratária a mudanças. Eu fui a primeira e a única assistente da cadeira durante um bom tempo. Só no final da década de 60, quando houve a possibilidade de subdividir os cursos da psicologia, é que se conseguiu aumentar o número de assistentes.

Mas existia uma outra cadeira de psicologia, que era a psicologia educacional. Em que elas diferiam?

Diferiam completamente, porque a psicologia educacional era originária da Escola Normal Caetano de Campos. Numa determinada época, julgou-se que a educação deveria ter um lugar na Faculdade de Filosofia, já que a sua premissa maior era formar professores. Então, incorporou-se a psicologia educacional da escola na universidade. O próprio professor da cadeira de psicologia educacional era originário da escola da "Praça". A psicologia educacional foi sempre uma cadeira muito ligada à educação, com uma orientação muito diferente da proposta pela professora Annita, que era a psicologia como ciência — uma visão mais ampla, menos generalista e não restrita à educação.

Um dos primeiros trabalhos que a senhora realizou na USP foi coordenado pelo professor Paulo Duarte. Que trabalho foi esse?

Foi sobre um episódio que aconteceu em uma fazenda em Malacacheta, Minas Gerais. Os colonos da fazenda foram instruídos por um recém-convertido a uma religião a fazerem uma série de cultos e acabaram assassinando crianças em rituais de oferecimento. Na época esse episódio foi muito comentado, e com destaque, na imprensa. O Paulo Duarte, além de professor, era editor da Revista Anhembi, uma publicação famosa na época, e sugeriu fazermos um estudo mais aprofundado desse fenômeno religioso. Fui para Minas Gerais acompanhada de dois antropólogos — um era italiano e a outra era Eunice Durham, que hoje também é professora e minha colega na USP. Passamos lá na fazenda um mês, apurando o que havia acontecido. O trabalho, publicado pela Revista Anhembi,mostrou a relação entre o episódio e a desorganização social vivida naquela área, onde filhos de posseiros estavam reduzidos à situação de colonos. Confinados e influenciados por esse recém-convertido, as pessoas se desestruturaram e, em busca de uma nova perspectiva de salvação, chegaram ao extremo de matar. Maria Isaura Pereira de Queiroz também participou desse trabalho fazendo pesquisa em outro local. Paulo Duarte escreveu depois um artigo sobre a pesquisa, enaltecendo inclusive o fato de mulheres, professoras, fazerem pesquisa de campo, "se embrenharem no mato".

As datas de seu mestrado e doutorado são próximas, 1953 e 54? Foram temas decorrentes um do outro?

Foram. Fiz mestrado na New School for Social Research, em Nova Iorque, uma escola que havia sido organizada por professores europeus, principalmente alemães e suiços, refugiados do nazismo. Eles eram os herdeiros da teoria da Gestalt. A professora Annita havia feito seu doutorado na New School e, como sua primeira assistente, fui encaminhada para lá. O catedrático tinha essa grande missão - a de orientar o seu assistente, escolher o lugar em que ele pudesse se aperfeiçoar e que atendesse o interesse da cadeira. Fui para os Estados Unidos como bolsista do Institute of International Education e no período em que lá estive pude me aperfeiçoar numa teoria que começou em decorrência da Gestalt, mas que depois seguiu outros rumos - a teoria de campo. Antes mesmo de ir para o exterior, eu já me interessara por esse tema, porque eu acompanhava a literatura sobre Gestalt e havia me deparado com os livros de Kurt Lewin.

Qual era a proposta de Lewin nessa época?

Lewin estava querendo mudar os rumos da Gestalt, no sentido de ampliá-la e transformá-la numa teoria do comportamento. Para isso recorreu a conceitos e desenvolvimentos teóricos que já vinham ocorrendo em outras áreas, como na matemática e a física — áreas em que ele tinha formação. Esses novos conceitos — como o das tensões — tornavam sua teoria de campo, que envolvia o conceito de regiões espaciais, difícil de acompanhar. Isso causava um problema: todo mundo achava que entendia do assunto, mas nunca em profundidade. Kurt Lewin havia sido professor na New School e, apesar do pouco tempo que viveu — ele morreu aos 34 anos —, foi uma pessoa extremamente inovadora. Eu tive, portanto, oportunidade de ter uma boa formação em teoria de campo, que se somou à que eu já tinha em Gestalt.

De que maneira a teoria de Lewin influenciou nos seus trabalhos?

O meu mestrado foi sobre Teoria Lewiniana. Eu examinei os experimentos apresentados de Lewin e seus discípulos sobre motivação e os confrontei com suas propostas teóricas a respeito desse tema; fiz uma análise da relação entre os dados experimentais e as propostas teóricas de Lewin.



Quantos anos a senhora tinha quando fez o mestrado?

Tinha 28 anos. No doutourado dei seqüência ao tema do mestrado; aproveitei para expor a teoria de motivação, utilizando dados de pesquisas de campo que fiz nos Estados Unidos. Eu achava que tinha que incluir na tese de mestrado pesquisa de campo, mas minha orientadora, a professora Tamara Dembo, julgou que apenas a elaboração teórica era suficiente. Quando voltei ao Brasil, utilizei os dados para a tese de doutorado que defendi na USP.

Desde o início de sua carreira, a senhora optou por uma abordagem diferente em psicologia, mais preocupada em coletar dados e relacioná-los com a teoria. Como os colegas, tanto da psicologia como das ciências humanas receberam isso?

Eles nos chamavam de positivistas e isso para eles era um horror! Para nós, no entanto, essa era apenas uma maneira de conceber a produção do conhecimento; uma maneira que valorizava a obtenção de dados experimentais. Éramos rigorosas ao coletar os dados e mais rigorosas ainda em analisá-los. A tendência no entanto era outra: muito mais especulativa e interpretativa. Essa é a imagem que ainda se passa da psicologia: o leigo não tem contato com o conhecimento científico que existe em psicologia, mas é bombardeado de idéias vagas, que acabam formando uma mixórdia sem sentido.

Há confusão, inclusive, ao se considerar a psicologia experimental uma área da psicologia. Não é! A psicologia, como toda ciência, é experimental, e a experimentação em psicologia permeia tudo ou, pelo menos, deveria fazê-lo. Fala-se também em psicologia social — às vezes até mesmo em oposição à psicologia experimental — mas isso também é um artifício, um vício: a psicologia estuda qualquer ser vivo ... e, ao estudar o Homem, ela necessariamente se torna social. Não existe psicologia humana que não seja social! Essa confusão é resultado de falta de formação em ciência: por ser uma área muito atrativa - todo mundo gostaria de saber como funciona a mente - há uma confusão entre o que é especulação (senso comum) e o que é conhecimento científico. Mesmo nos cursos de psicologia, ainda hoje, essa distinção não está sendo feita com clareza.

É por isso que desde a criação do Instituto de Psicologia da USP a senhora foi contra a criação de quatro departamentos de psicologia e defendeu a criação de apenas dois, o de Psicologia Básica e o de Psicologia Aplicada?

Exatamente, e a própria proposta de criação do Departamento de Psicologia Aplicada existiu porque já se planejava formar profissionais em psicologia, clínicos ou não, uma incumbência diferente da de formar pesquisadores. A idéia de formar um profissional em psicologia foi mal aceita pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e demandou uma luta muito grande. Lembro-me que a congregação da faculdade foi absolutamente contra essa proposta, alegando que a atribuição da faculdade era formar professores e pesquisadores, e não profissionais. Não se admitia profissionalização na Faculdade de Filosofia. Apenas mais tarde e por insistência dos bacharéis em psicologia é que se abriu a discussão nacional para a criação da profissão de psicólogo, que ocorreu em 1962 e por decreto. Essa medida criou a situação complexa que presenciamos hoje: surgiu a figura do psicólogo clínico, escolar etc., que lida com outras pessoas, o que requer grande responsabilidade e maior ainda competência. A formação que se obtém, no entanto, nos cursos de psicologia permanece generalista, quando deveria ser mais científica.

Sua opção, claramente, é pela experimentação científica como método de conhecimento em psicologia. Daí também seu interesse pela política e divulgação de ciência?

Comecei a participar da SBPC em 69, como membro do conselho dessa sociedade. Eu achava que a psicologia não podia ficar separada das demais ciências, e precisava estabelecer um diálogo com elas. De certa forma minha entrada na SBPC foi também a aceitação da psicologia pela comunidade científica, que estava inclusive curiosa em relação ao conteúdo da psicologia e à ajuda que esta poderia dar na compreensão da sociedade e da comunidade científica brasileira. Esse interesse existe até hoje: há muita coisa acontecendo no país e na formação de pesquisadores, e esses são temas que o psicólogo deveria estar pesquisando e analisando.

Esse gosto pela ciência foi influência do ensino alemão que a senhora recebeu na infância?

Acho que não. Foi mais a influência dos desencantos com a formação que recebi no curso de pedagogia. O curso que fiz foi muito vazio. Avalio que hoje a situação é ainda mais grave, porque não se tem mais a motivação para ser professor. Além disso, a pedagogia está fragmentada, não sabe o que é e que profissional deve formar — se um professor, orientador, diretor, supervisor ou coordenador. Acho que a pedagogia se distanciou da pesquisa, da realidade escolar, e se tornou muito teórica. É preciso retornar à prática - e essa tendência já se esboça — mas é penoso retornar... Não adianta mudar os nomes, falar de educador em vez de professor, ou agarrar-se à teoria do momento. É preciso gerar dados e analisá-los. Mas não é isso que acontece; curiosamente há um exagerado destaque de certas pessoas, cujas idéias viram moda, sem que no entanto apresentem qualquer proposta factível ou relevante.

Como foi a sua transição da Gestalt para o Behaviorismo?

Meu primeiro contato foi com os livros de Skinner. Eu nunca havia escutado falar dele, e lembro que levei um susto ao folhear um livro seu, publicado em 1938, numa livraria brasileira em 1948. Era uma seqüência assombrosa de estudos experimentais. Fiquei admirada com o tamanho do livro e com o fato de trazer uma quantidade enorme de informações das quais eu nunca tinha ouvido falar. Eu já havia esmiuçado os livros de Lewin e comecei a fazer o mesmo com os de Skinner. Depois, com a vinda do professor Fred Keller ao Brasil, pude me aprofundar ainda mais no assunto.


Novamente a senhora se interessa por algo diferente... A reação dos colegas também foi a mesma, de resistência ao novo?

Dona Annita não admitia o assunto. Ela achava que a cadeira de psicologia deveria ter como única orientação a Gestalt, e nós respeitávamos essa opinião porque os conhecimentos da Gestalt eram realmente muito importantes na época. O estudo da obra de Skinner, portanto, eu fiz em particular, fora da universidade, por um bom tempo. Não que existisse reação ao novo, mas os catedráticos eram apegados à sua própria visão. Uma coisa positiva desse tempo e que se perdeu foi o estudo aprofundado das teorias, de como elas foram concebidas, do contexto de época em que surgiram e das bases em que foram concebidas. Hoje fica-se lendo o autor pelo autor, ou melhor, fragmentos da obra de alguém, coisa que não nos leva a lugar algum. O livro de Skinner, por exemplo, chamou minha atenção porque é repleto de dados experimentais. Ele conta singelamente uma série de experimentos que tinha feito, o caminho que havia percorrido. Eu sempre busquei isso: uma teoria que resistisse à verificação experimental. Na prática, no entanto, eu só vivenciei isso quando o professor Keller veio ao Brasil.

O que motivou a vinda do professor Keller para o Brasil?

A iniciativa partiu do professor Paulo Sawaya, que era o diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. O professor Sawaya era fisiologista e achava que a psicologia fazia parte dessa disciplina. Ele achava também que não se estava dando a importância devida à experimentação. O que se fazia nas áreas de percepção, lá nos porões da Alameda Glete na década de 60, se limitava à demonstração e não envolvia a realização de experimentos. A Gestalt favorecia isto: satisfazia-se em mostrar que a teoria funcionava, sem acrescentar coisas novas à área.

Com a vinda do professor Keller, pude reunir as suas idéias, muito bem expostas em aulas rigorosamente planejadas, com o que havia lido nos livros de Skinner. Eu já havia estudado em Nova Iorque e, apesar de não conhecer Keller, fiquei interessada ao saber que viria alguém da Universidade de Columbia para cá. Antes mesmo de sua chegada, procurei material para estudar e conhecer seu trabalho. Lembro que encontrei o famoso trabalho de Keller, O platô fantasma (The phantom plateau),em que ele, com uma verve muito especial, desmistifica o platô observado nas curvas de aprendizagem, demonstrando que quando uma pessoa está aprendendo e de repente pára é porque houve algum problema sério na maneira de ensinar. Foi a partir daí que aprendi algumas coisas importantes sobre o que se chama de behaviorismo.

Esse é um traço seu, nunca recusar aprender mais, mesmo que seja algo totalmente estranho ao que está estudando?

Se não se faz isso, perde-se o pé, não se consegue acompanhar o que está acontecendo. É preciso ter curiosidade pelas coisas e passar esse comportamento para os alunos. Quando não conheço ou entendo um assunto, vou atrás do conhecimento. Acho, por exemplo, estranho quando me "classificam" de behaviorista. Alguns têm essa imagem de minha pessoa; no entanto, não me sinto e não sou apegada a uma teoria ....

É essa sua característica que explica o seu interesse por política e divulgação de ciência?

Não. Acho que meu interesse por essas áreas vem de uma preocupação mais social, com as disparidades de nosso país. A ciência gera tanto conhecimento e desenvolvimento... No entanto, eles ficam restritos e não são usados pela maioria da população. Em termos de educação, por exemplo, o desnível entre o conhecimento gerado na universidade e o passado aos alunos do ensino básico e médio pelos professores é enorme. A noção de ciência que os professores de ensino médio têm é antiquada e, muitas vezes, errada. A minha preocupação com divulgação é essa: é preciso melhorar a vida das pessoas, não apenas em termos de tornar os produtos gerados pela ciência disponíveis, mas também torná-las mais críticas em relação ao mundo em que vivem. Para isso é preciso informá-las, para que elas entendam o que é a ciência e a própria transformação que ela está promovendo no mundo atual. Agora, isto ainda está distante de acontecer. O fato de uma parcela da população viver totalmente sem informação e distante do conhecimento científico é para mim um absurdo, assim como é um absurdo o despreparo dos professores, que seriam os agentes para modificar essa situação.

O que seria necessário fazer?

Há anos, e através da SBPC, estamos tentando várias formas de levar a ciência até a população — através do rádio, de revistas, de museus etc. — mas ainda há muito o que ser feito, porque as necessidades são muitas. É preciso tentar muitas formas e até mesmo inventar novas... Agora, acho uma mentira alegarem que não há interesse, que os professores, por exemplo, não são interessados. Ao longo desses anos trabalhando no Funbec, na SBPC, na Estação Ciência, recebi centenas de cartas de professores interessados em aprender. A dificuldade está justamente em que não há material e as lacunas na formação da população são enormes. A diversidade desse país é tão grande que, mesmo usando todos os recursos, é difícil atingir o objetivo maior que é levar informação e conhecimento ao povo. Daí serem importantes muitas iniciativas de divulgação de ciência. Não bastam políticas como a de colocar computadores nas escolas. É preciso multiplicar as ações, inclusive para preparar os professores para utilizar os computadores...

As dificuldades na área de educação são tantas que a pessoas desistem e passam a defender posições absurdas, como por exemplo, que "esqueçamos a formação dos professores que estão aí e que invistamos nos futuros professores". Essa é uma visão limitada... Abandonar o presente em razão de um futuro que será construído por quem, senão por quem vive hoje? Não é um absurdo? E, no entanto, vivemos absurdos: eu , por exemplo, quero entender essa reforma do ensino que está em curso em São Paulo. Qual o argumento, por exemplo, para se reduzir drasticamente a carga horária das disciplinas científicas, como física, química e biologia? Do meu ponto de vista, isso só vai aumentar a exclusão social, limitar ainda mais o acesso dos alunos da rede pública ao terceiro grau e às boas universidades. Outro absurdo é a omissão da sociedade perante a educação. A própria comunidade científica, quando o tema é educação, fica muda; coisa que não deveria acontecer.

Fale-nos um pouco de sua contribuição em ensino e pesquisa — do Curso Programado de Aprendizado que a senhora implantou no Brasil. Qual a relação desse método criado pela senhora e o Sistema Personalizado de Ensino (PSI) usado nos Estados Unidos?

Eu sempre me preocupei muito com a questão de como ensinar. Esta é uma questão que ainda permanece e sua não solução é a base de todas as dificuldades que existem na escola — como a evasão, a reprovação e a própria dificuldade de aprendizagem de ciência por parte dos professores de ciência. Ficou bastante claro para nós, quando fomos organizar a psicologia na Universidade de Brasília, que era preciso um novo modo, mais eficaz, de ensinar. Resolvemos aproveitar a proposta de criação de uma nova universidade (que era a proposta da Universidade de Brasília), para buscar esse método. O Rodolpho Azzi e eu fomos para os Estados Unidos visitar universidades para apurar como era realizado o ensino lá. Fomos guiados pelo professor Keller — que havia estado aqui em 61 e já voltara para lá. Visitamos escolas em vários estados americanos e, após cada visita, nós, e freqüentemente o professor Gilmour Sherman, outro americano que estivera no Brasil, nos reuníamos para discutir o que havíamos visto em termos de avanços em análise do comportamento (a parte empírica e experimental da filosofia behaviorista), em métodos de ensino, em termos de publicações, de técnicas de laboratórios e de temas para estudo. Dessas reuniões, saiu a idéia de que a análise experimental do comportamento poderia oferecer uma proposta e fundamentar uma nova forma de ensinar.

Reunimos conceitos e informações baseados na experimentação que mostravam como a aprendizagem ocorreria — como o sujeito adquire novas maneiras de se comportar — e aos poucos fomos elaborando um procedimento de ensino que o professor Keller denominou de ensino personalizado, porque era individualizado, dirigido a cada aluno. Keller discutiu as idéias gerais de nossa proposta na reunião de 1963 da Associação Norte-americana de Psicologia e, aqui no Brasil, na reunião da SBPC. Mas a proposta foi consolidada mesmo em seu famoso artigo "Good-bye, teacher...", que foi traduzido para o português e publicado com o nome de "Adeus, mestre!", em Ciência e Cultura, em 1972. Foi nesse artigo que ele finalmente descreveu as características principais dessa nova proposta de ensino, gerada e germinada nessa viagem e nas discussões que fizemos nos Estados Unidos.

Essa estada nos Estados Unidos e a formulação dessa proposta de ensino durou quanto tempo?

Não mais do que um mês. Eram visitas, anotações e discussões. Foi pouco tempo, mas de muito trabalho; tempo suficiente, inclusive, para prepararmos todo o material para o primeiro curso a ser ministrado em Brasília usando esse método. Por sinal era um curso de psicologia oferecido a toda a universidade — uma chance que a psicologia perdeu, porque psicologia é uma disciplina que deveria ser dada a todo jovem. Ela deveria ser uma das disciplinas básicas do nível universitário. Esse primeiro curso, oferecido em 64 na Universidade de Brasília, foi muito bom, a ponto de alguns ex-alunos ainda se lembrarem, tanto do assunto quanto da maneira de ensiná-lo. Nós corremos feito doidos para preparar esse curso, mas uma das vantagem de Brasília, tínhamos tudo disponível - material escrito, laboratório, monitores — tudo como mandava o figurino de criação do nosso método.

Quais os princípios básicos desse método de ensino?

Primeiro que o aluno deve ter todas as condições de que necessita para estudar, sobretudo tempo. Deve ser dado ao aluno o tempo necessário para ele fazer o que o professor considera necessário para ocorrer a aprendizagem. Mas para que o aluno aproveite seu tempo individual de estudo é preciso também dar-lhe outras condições, como o material para aprendizagem, laboratório disponível, monitores para orientá-lo etc. Uma segunda característica importante é o planejamento rigoroso dos passos da aprendizagem. Considerando que ela sempre ocorre em pequenos passos, é muito importante dosar a quantidade de material ou de tarefa que será dada ao aluno. É sempre importante perguntar-se: o aluno já está preparado para uma nova tarefa? É necessário, portanto, planejar cuidadosamente os recortes de conteúdo, os momentos em que eles serão introduzidos e prever avaliações para saber o ponto em que o aluno se encontra. Para planejar tudo isso, o professor precisa dominar o assunto, precisa saber o que ele espera que o aluno saiba a cada momento. Pode-se dessa forma fazer o aluno trabalhar continuamente e ir aumentando seu volume e/ou ritmo de trabalho conforme o seu aprendizado. É possível ter o controle da qualidade da aprendizagem de acordo com o desempenho do aluno. Pode-se também informar o aluno como estão seus colegas e com isso estimulá-lo a estudar e acelerar seu ritmo de aprendizagem. À medida que o aluno se sente capaz, ele se apresenta para ser verificado. Essa verificação em geral é de uma forma diferente da usada para o aprendizado — pode ser por escrito, entrevista ou outra maneira. O aluno é informado de quanto ele sabe em cada etapa e de quanto mais ele precisa estudar. Para fazer esse acompanhamento, o monitor torna-se uma pessoa chave, mas que necessariamente tem que conhecer bem o assunto e ter participado do planejamento e da concepção dos recortes.

De certa forma o ensino atual retrocedeu, pois hoje o que se observa é a massificação e a pressa na aprendizagem...

Sim. Além disso, o método de ensino personalizado evita a repetência, porque respeita o tempo individual de aprendizagem. Também evita a falsa "recuperação" feita com pressa, sem acompanhamento e que nada resolve. Todos os procedimentos que escolhemos estavam baseados nos dados comprovados experimentalmente pela Análise do Comportamento. O avanço gradual do aluno, em pequenos passos, por exemplo, foi considerado importante porque já estava demonstrado que a aprendizagem é cumulativa e gradual. É preciso garantir que cada passo seja apreendido antes de se passar ao seguinte. Se assim não for feito, o aluno acumula dúvida e erro, em vez de acelerar o aprendizado. É preciso acompanhar o desenvolvimento do aluno individualmente, perceber as lacunas em seu aprendizado, elaborar programas para supri-las, e orientar o aluno para que ele possa ultrapassar os diferentes estágios de aprendizagem de um conteúdo. Tudo isso foi exaustivamente discutido, publicado e, apesar disso, parece que ninguém atenta para o fato ....

Em alguns setores o método é visto como excessivamente controlador e autoritário. Por quê?

Por ignorância das bases teóricas do método e de como, de fato, ele funciona. Há no Brasil, sobretudo na área de educação, uma tradição perversa: separar a teoria da prática. Não há essa separação, ou pelo menos não deveria haver... O Ensino Programado Personalizado, por exemplo, é decorrência da teoria — da filosofia que diz que todo o comportamento para ser fixado e mantido precisa ser conseqüenciado. Você precisa dar a oportunidade para o aluno emitir seu comportamento — de ele fazer alguma coisa — e você precisa estar perto para avaliar esse comportamento e fornecer conseqüências a essas ações de aprendizagem. Parte das críticas que surgiram foram devidas também ao trabalho brutal que esse método exige do professor. No entanto, penso que a satisfação de ver a aprendizagem realizada também é enorme. O preconceito em relação ao método surgiu porque os professores, sem base em psicologia, não viam o mérito daquilo, mas viam a quantidade, o volume de trabalho que sua aplicação exigia. Os alunos, por sua vez, eram cobrados e lhes era exigido empenho e estudo; era um sistema muito mais exigente do que as aulas tradicionais a que eles estavam acostumados, e que lhes exigia apenas escutar o professor. O aluno, nesse método, não estava livre para "não estudar".

O método continua sendo utilizado no Brasil?

Nos primeiros cinco anos houve uma procura impressionante. Cansei de viajar pelo país para fazer conferências e dar cursos de como montar um Curso Programado Personalizado. A maioria das escolas técnicas do país adotou o sistema, vários cursos de engenharia, física, matemática, arquitetura, psicologia, e até mesmo em escolas primárias. Até da Índia recebemos solicitação de informações sobre o método. Foram publicados muitos trabalhos sobre o assunto. Depois, o uso no Brasil esmaeceu — tanto pela resistência dos educadores, como pela quantidade de trabalho envolvido — mas permanece sendo utilizado em várias áreas, como no ensino de línguas, em engenharia, informática e na própria psicologia, assim como em algumas escolas primárias particulares. Nos Estados Unidos não houve resistência nenhuma e hoje — apesar de não ser mais chamado de Método Keller ou de Curso Programado Personalizado, como antes — é a maneira corriqueira de se dar aula nas escolas de primeiro e segundo grau americanas e canadenses (grade school, junior and senior high school) .Penso que a utilização desse sistema no Brasil corrigiria a questão da repetência, de uma maneira muito mais séria e produtiva do que as medidas que estão sendo tomadas. Além disso, seu emprego poderia auxiliar também na formação de professores para o ensino médio.



"É preciso ter curiosidade pelas coisas e passar esse comportamento para os alunos."




"[No ensino personalizado] o aluno deve ter todas as condições de que necessita para estudar, sobretudo tempo. (...) Mas para que o aluno aproveite seu tempo individual de estudo é preciso também dar-lhe outras condições, como o material para aprendizagem, laboratório disponível, monitores para orientá-lo etc. Uma segunda característica importante é o planejamento rigoroso dos passos da aprendizagem". 


Entrevista retirada do site Canal Ciência.

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"Estado de alerta máximo




A seguir, será apresentada uma rara e brilhante entrevista de B.F. Skinner à Revista Veja, realizada no dia 15 de junho de 1983.

Por: Selma Santa Cruz



O grande papa da ciência do comportamento identifica em problemas como a ameaça nuclear ou a superpopulação perigos inéditos para o mundo.

Com suas teorias pioneiras sobre o comportamento humano e as possibilidades de seu controle, nos anos 50 e 60, ele não ficou apenas célebre: chegou a ser comparado a Freud. Professor da Universidade de Harvard e expoente máximo da psicologia americana, B.F. Skinner (B. de Burrhus e F. de Frederic) é o grande papa da chamada “ciência do comportamento”, o behaviorismo. Em síntese, suas idéias sugerem que tudo pode ser perfeitamente previsível e, portanto, perfeitamente controlável no comportamento humano. Não é o indivíduo que controla o meio ambiente, e sim o contrário – este é o ponto de partida de sua teoria. Sendo assim, o homem reagiria a estímulos – da mesma forma que um rato, num laboratório, apresenta reações de medo ou satisfação, violência ou docilidade, desde que adequadamente estimulado.

As idéias de Skinner propunham uma revolução nas ciências humanas – e jamais, desde que foram enunciadas, deixaram de provocar polêmicas. Alguns saudaram, na sua sugestão de que o indivíduo poderia ser induzido a agir de forma positiva ou negativa, uma vez convenientemente levado a uma ou outra direção, a possibilidade de surgimento de um homem novo. Outros, porém, logo suspeitaram nas técnicas de controle por ele formuladas um ranço totalitário capaz de produzir regimes tirânicos.

Nos últimos meses, e agora já quase lendário aos 79 anos, B.F. Skinner voltou a freqüentar as paginas dos jornais com uma mensagem alarmista: a espécie humana, repete ele, caminha para a extinção. Ao mesmo tempo, ele cativa audiências ao aplicar sua controvertida técnica de controle do comportamento contra um inimigo universalmente detestado: a velhice, tema de seu ultimo livro, prestes a ser publicado, Vivendo bem a velhice. Skinner, na verdade, apresenta-se como a melhor propaganda do método que anuncia: quase octogenário, ele ainda trabalha diariamente em seu escritório de Harvard e viaja pelo mundo todo para conferências.



VEJA- O senhor sempre afirmou que o avanço nas ciências humanas, sobretudo na psicologia, abriria caminho para uma civilização mais avançada, quase utópica, mas, ultimamente, tem parecido muito pessimista. O que mudou?

SKINNER- Ainda acredito que as técnicas de mudança de comportamento permitem um progresso grande, particularmente em áreas específicas, como o uso da educação programada nas escolas para acelerar a aprendizagem, a criação de sistemas de incentivo na indústria para aumentar a produtividade e, naturalmente, em psicoterapia. Nesse sentido, o behaviorismo, ao esclarecer como o homem age em função de estímulos positivos ou negativos, pode ter um impacto positivo, no futuro imediato, contribuindo para uma sociedade mais bem informada, rica e satisfeita. Mas estamos ameaçados pelas conseqüências que nossas ações atuais, como corpo social, terão no futuro distante. E é por isso que estou tão pessimista. O mundo está caminhando para o desastre, confrontando com problemas em escala inédita.

VEJA- Que problemas são esses?

SKINNER- A superpopulação, por exemplo. Parece óbvio para qualquer pessoa sensata que há um limite para a quantidade de seres humanos que podem viver no planeta, mas não se está fazendo um esforço sério para lidar com a questão. Temos 4,5 bilhões de pessoas, pelo menos metade das quais subnutridas – e, como não estamos conseguindo resolver o problema delas, nada indica que os outros bilhões que virão terão sorte muito diferente. Estamos destruindo o meio ambiente, consumindo recursos naturais em ritmo mais rápido do que eles se repõem. Todos os estudos científicos mostram que estas práticas, hoje, levam ao desastre, mas não estamos tentando seriamente promover mudanças. E, pior de tudo, há a ameaça nuclear. É mais do que óbvia a necessidade de conter o arsenal nuclear, mas um balanço das últimas décadas mostra que não estamos tendo sucesso nesse sentido. Pelo contrário, do jeito que as coisas vão, parece cada vez mais improvável que as potências cedam na resolução de conflitos.

VEJA- Ao longo da história, a raça humana superou variadas espécies de conjunturas desfavoráveis que pareciam, à época, insolúveis. Por que não resolveríamos os problemas, desta vez?

SKINNER- Este argumento é como consolar um doente que está morrendo lembrando que, afinal, ele esteve doente outras vezes e sempre se recuperou. O mundo pode estar chegando a uma condição única, em que pela primeira vez, na história, está de fato morrendo – e não estamos fazendo nada para salvá-lo.

VEJA- Movimentos como o pacifista e o ecológico não mostram uma consciência nova sobre os problemas que o senhor aponta? Já não estaria havendo algum progresso, sobretudo na preservação do meio ambiente?

SKINNER- Alguns setores da população, o chamado “quarto estado”, que engloba cientistas, professores, profissionais da informação e intelectuais em geral – em relação aos três estados tradicionalmente dominantes: governo, igreja e empresariado -, realmente dão sinais de consciência do problema. Fazem-se passeatas, manifestos. Mas não é assim que se consegue mudar o comportamento de 4,5 bilhões de pessoas. Se você falar com a maioria dos acadêmicos aqui em Cambridge, eles reconhecerão que é um absurdo uma pessoa ir de carro particular até Boston, desperdiçando gasolina e poluindo o ar, quando poderia muito bem tomar o metrô. Mas o único jeito de fazer com que as pessoas realmente tomassem o metrô seria se o governo as induzisse a isto, cobrando pedágios bem mais caros no túnel para Boston, por exemplo. Porque a única forma de promover as mudanças necessárias e com a rapidez necessária – isto é, controlar o crescimento demográfico, promover estilos de vida mais simples, com menos desperdício e prejuízo para o meio ambiente -, seria se a indústria, a igreja ou o governo, os que têm poder, se dispusessem a implementá-las.

VEJA- Mas pelo menos nos casos das democracias, não é verdade que os governos e mesmo a indústria costumam ser induzidos a promover mudanças quando elas se tornam indispensáveis?

SKINNER- Acho que os detentores do poder econômico, os que têm dinheiro, vão continuar a usá-lo para produzir lucros rápidos, sem qualquer preocupação com os problemas globais. As coisas a este nível são tão pouco planejadas que um país como o México pode ir à bancarrota de repente, e pegar o mundo financeiro desprevenido. Quanto aos políticos, eles estão sempre preocupados com a próxima eleição e, portanto, indispostos a pregar sacrifícios hoje, para preservar o futuro. Durante o momento mais crítico da crise energética, alguns países impuseram limites no consumo de petróleo, mas, tão logo passada a emergência, voltamos aos velhos hábitos, embora a ameaça de escassez continue presente. Deveríamos ter leis severas para favorecer o transporte público, manter baixa a temperatura dos aquecedores no inverno e limitar o uso dos aparelhos de ar-condicionado no verão – isto em base permanente. Mas o problema é que os políticos não querem o ônus de um programa necessariamente impopular e nossa sociedade está voltada para a gratificação imediata, o conforto absoluto. Chegamos a um ponto em que tornou-se imperativo tomar medidas para preservar o planeta e a espécie. E não estamos fazendo isto.

VEJA- Mas existe alguma fórmula para fazer com que as pessoas aceitem o sacrifício? É possível sensibilizá-las para este futuro distante?

SKINNER- É característico da espécie humana agir em função apenas do futuro mais próximo e da experiência passada. Porque o futuro mais distante não existe, no sentido de que não foi experimentando. Ninguém toma uma estrada desconhecida sem razão. Se entrar nela é porque lhe disseram que tem paisagem bonita, ou que tem alguma vantagem sobre as outras. Da mesma forma, o homem não faz nada sem uma expectativa, um estímulo que encoraje ou desencoraje seu comportamento. Sobretudo quando é algo para o futuro distante. Instituições como a igreja, governo e indústria sempre usaram estes reforços de comportamento para fazer com que as pessoas trabalhassem para o futuro. A indústria acena com a recompensa do salário para que seus empregados produzam. Governo e religião sempre souberam manipular a técnica do prêmio ou castigo para induzir as pessoas a dar a vida por suas causas. Infelizmente, o futuro destas instituições não coincide necessariamente com o interesse da preservação da espécie. Há um consenso de que é preciso conter o crescimento demográfico. Mas o empresariado não se importa – crescimento zero é péssimo para o mercado. Os governos também não se importam – a força dos exércitos depende da disponibilidade de recrutas. E, como já disse, os políticos estão mais preocupados é com a próxima eleição.

VEJA- Pelo que o senhor diz seria preciso impor estas mudanças, já que elas não são populares. Mas isto não extinguiria um regime autoritário?

SKINNER- Quando escrevi meu livro Além da liberdade e da dignidade, há dez anos, fui acusado de estar descartando os valores mais caros da civilização, propondo a manipulação das massas. Mas isto era uma simplificação grosseira. O que digo é que a satisfação material é um valor perigoso, e as sociedades afluentes foram bem-sucedidas demais em garanti-la. Nas sociedades avançadas, elevou-se o direito individual a valor absoluto – o direito, por exemplo, de se consumir quanto se deseja, sem interferências, mesmo que estes padrões de consumo sejam em detrimento do meio ambiente e do todo social. Nas sociedades mais avançadas, praticamente acabamos com as formas de controle punitivo. Em educação somos extremamente complacentes, a justiça dá sentenças generosas para criminosos, prisões são consideradas uma afronta à dignidade humana. Acho que houve uma evolução positiva, não estou defendendo a volta da palmatória ou da guilhotina, mas acho que há um exagero neste conceito de direito do indivíduo. Não se trata de abrir mão da liberdade, mas quando se começa a falar em direito dos animais, direito de se andar de motocicleta sem capacete, direito de usar carros poluentes ou direito dos fetos, há sem dúvida um exagero. É o que chamo de “Libertas Nervosa”.

VEJA- Como assim?

SKINNER- Trata-se de uma comparação com a anorexia nervosa, a doença em que a pessoa, para perder peso, faz uma dieta, mas não consegue parar quando atinge o equilíbrio e continua a dieta até a desnutrição. Não digo que as sociedades afluentes tenham que abrir mão do respeito à liberdade e dignidade individuais, mas que, levados ao extremo, estes valores podem ameaçar a sobrevivência da sociedade como um todo. Se você elege em direito absoluto do indivíduo ter quantos filhos quiser, poluir a atmosfera a seu bel-prazer ou consumir recursos não renováveis no ritmo que desejar, estamos bloqueando nossa possibilidade de promover novas formas de comportamento que garantam o futuro de toda a sociedade. Já sabemos o suficiente sobre o comportamento humano para poder recorrer a estímulos que induzam a mudanças de comportamento necessárias para resolver estes problemas graves que nos desafiam. Mas não faremos nada se ficarmos presos à noção de que isto interfere com a liberdade dos indivíduos.

VEJA- Quando se começa a abrir mão desta liberdade, não há risco de grupos no poder usarem estas práticas de controle sem considerar o bem comum? E quem é que decide qual é o bem comum?

SKINNER- Claro que o ideal seria o príncipe esclarecido de Maquiavel, ou o rei-filósofo de Platão. Mas o problema com estes regimes ditatoriais é que eles bloqueiam o progresso, tendem à estagnação, enquanto sociedades com grau maior de liberdade evoluem mais rapidamente. Não acho que as sociedades marxistas, onde há controle absoluto, sejam mais eficientes – e não gostaria de morar na URSS, porque mesmo que os homens do topo tenham boas intenções, a vida dos cidadãos é desinteressante e cheia de inconveniências. Não acredito que seria preciso uma sociedade fechada, com um grupo manipulando as massas, para promovermos as mudanças de comportamento que defendo. Meu ponto é justamente que seria possível, usando nosso conhecimento sobre o comportamento humano, sensibilizar as pessoas para estes problemas e induzi-las, de forma positiva, a mudar.

VEJA- A educação seria um caminho?

SKINNER- O sistema educacional seria, sem dúvida, o ponto onde atacar. Mas não tenho qualquer esperança. O sistema educacional atual é o grande escândalo de nossa civilização, totalmente ultrapassado. Através da ciência do comportamento, desenvolvemos a educação programada, por exemplo, em que os estudantes usam materiais projetados especialmente para recompensar o avanço de cada um na aprendizagem – e torná-la mais rápida e interessante. Alguns setores pioneiros a adotam, mas, quase trinta anos depois, a maioria das escolas ainda resiste à idéia de educação programada, alegando que ela é massificante, ou que não respeita a individualidade e originalidade de cada indivíduo. Não vejo como educação programada seria mais massificante do que a televisão, por exemplo, mas isto ilustra bem como estamos presos a conceitos às vezes ultrapassados.

VEJA- E o senhor não vê qualquer possibilidade de mudança?

SKINNER- Se eu tivesse que prever o estado da sociedade daqui a 100 anos, se sobrevivermos a um desastre atômico, diria que haverá infelizmente um único governo autoritário – porque a esta altura este tipo de regime terá se tornado imperativo para controlar o crescimento populacional, a poluição e o consumo de recursos não renováveis. O lamentável é que temos tecnologia e conhecimentos suficientes sobre comportamento para construirmos um mundo diferente, mas não somos capazes.

VEJA- Para muitas pessoas, Skinner e behaviorismo, embora já incorporados à ciência, ainda são sinônimos de manipulação de comportamento e possibilidades sinistras. Isso o incomoda?

SKINNER- Eu estou preocupado com a escalada das armas nucleares, mas não culpo Einstein por isto. Lamento, como todo mundo, que certas drogas pesquisadas com fins farmacêuticos sejam usadas por viciados, mas nem por isso vai defender-se o fim da pesquisa farmacêutica. Não se acaba com os automóveis porque motoristas bêbados os usam para matar. Tudo pode ser usado para fins sinistros e isto vale para a tecnologia do comportamento. O fato é que pessoas habilidosas sempre souberam manipular o comportamento de outras. Só que o faziam intuitivamente, como uma arte. Alguns tinham o talento, outros não. Com o behaviorismo, explicamos como isto se faz.

VEJA- Ultimamente o senhor está popularizando estratagemas para superar os desconfortos da velhice. Até que ponto é possível retardar a senilidade mental?

SKINNER- A velhice é como o cansaço, com a diferença de que você não a elimina tirando férias ou uma soneca. Mas ela não precisa ser necessariamente o fim de qualquer atividade intelectual gratificante. Com este meu novo livro, eu terei publicado seis deles desde que completei 70 anos, o que é uma marca excelente para qualquer acadêmico. Isto foi possível porque, usando os conhecimentos desenvolvidos em laboratórios sobre comportamento humano, eu arranjei minha rotina de forma a que eu possa render tanto quanto possível. O segredo é justamente a lição do behaviorismo, de que nosso comportamento é pautado por reforços positivos ou negativos do meio ambiente. Você age de um modo, e há sempre conseqüências. Se elas são positivas para você, a tendência é repetir o comportamento. O problema é que na velhice somos gradualmente privados de todo tipo de reforço. O segredo é buscar formas de comportamentos que compensem.

VEJA- Por exemplo?

SKINNER- Na velhice não se sente bem o sabor dos alimentos, perde-se o apetite. Muitos desistem de apreciar música porque ouvem mal. Perdem-se os amigos, o sexo já não é estimulante, a aposentadoria elimina os estímulos profissionais e financeiros. Sem todos estes reforços, é compreensível que muitos velhos sejam derrubados pela depressão. É preciso aprender a trabalhar menos horas, perceber quando a fadiga mental interfere, saber então descansar profundamente para que o trabalho, quando reiniciado, seja gratificante.

VEJA- Pode-se usar um aparelho para a perda auditiva. Mas e a perda da memória?

SKINNER- Há pequenos truques que explico no livro para contornar a perda da memória, alguns bem simples. O importante é aceitar a deficiência e achar um jeito de combatê-la. Andar sempre com papel e lápis no bolso, por exemplo, ou um gravador, para registrar na hora todas as idéias antes que elas se percam. Procurar formas de lazer adequadas. Eu gostava de ler Balzac, mas a boa literatura é mais cansativa. Jogos complicados, como o xadrez, também não são adequados. Se se tiver a humildade de ler coisas mais simples, na hora do lazer, ou mesmo assistir televisão, pode-se realmente relaxar, para ser capaz, depois, de trabalhar produtivamente algumas horas. É preciso fazer um esforço para experimentar coisas novas, projetar quase cientificamente uma rotina e um estilo de vida que ofereçam estímulos específicos para substituir os que a sociedade e a deterioração física vão gradualmente eliminando.




"Parece óbvio para qualquer pessoa sensata que há um limite para a quantidade de seres humanos que podem viver no planeta, mas não se está fazendo um esforço sério para lidar com a questão."



"O sistema educacional atual é o grande escândalo de nossa civilização, totalmente ultrapassado."



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"O que falta é afeto"

Psicóloga diz que educar dá trabalho e que os pais fazem mal aos filhos com punições sem lógica e às vezes até cruéis





A maioria dos pais se martiriza com questionamentos intermináveis sobre como criar os filhos. Por mais que evitem, estão sempre esquadrinhando seu comportamento. Estariam sendo muito duros? Muito permissivos? Muito autoritários? Como agir em determinada situação? Para a psicóloga Lidia Weber, de 46 anos, o tema é uma fonte inesgotável de indagações das quais já se consolidaram, felizmente, algumas certezas. Autora de seis livros sobre relações intrafamiliares, coordenadora de um programa de dinâmica familiar na Universidade Federal do Paraná, ela costuma aconselhar seus alunos e os pais que a procuram da seguinte maneira: "Siga sua consciência, obedeça a seus valores". É essa a maneira de educar. Para ela, o sucesso na criação passa pelo fortalecimento da auto-estima das crianças. E isso se faz, ao contrário do que diz o senso comum, mais com elogios do que com punições. "Muitos pais não sabem elogiar. Têm vergonha", diz. Casada, mãe de três filhos entre 10 e 16 anos, Lidia – que nunca apanhou dos pais e nunca bateu nos filhos – é uma entusiasta do castigo e uma inimiga da palmada, que ela considera dispensável mesmo nas situações de limites. 


Veja – Por que os pais parecem tão assustados com a tarefa de educar os filhos?
Lidia – Acho que há duas razões principais. Primeiro, pela realidade mesmo. Somos todo o tempo bombardeados com notícias sobre violência. Isso dá muito medo. Outra razão eu acho que se deve ao que chamo de quebra da solidariedade entre os adultos. Antes, tínhamos a sensação – e era verdade – de que poderíamos contar com outras pessoas para cuidar do bem-estar de nossos filhos. Os vizinhos, os parentes, os professores faziam parte dessa rede de segurança. Hoje isso não existe mais. É cada um por si. O perigo pode morar ao lado. Esse medo do "outro" é a expressão mais tangível da paranóia dos pais. 

Veja – Qual a melhor maneira de os pais lidarem com esses medos?
Lidia – Acho fundamental a retomada da rede de segurança. Contar com os avós, com amigos próximos. Voltar a aprender a confiar. Isso conforta e dá segurança. Os pais também têm de se focar. Gasta-se muito tempo com preocupações menores. Se o filho não comeu verdura, se o outro deixou os tênis espalhados pelo quarto, se a filha saiu sem casaco, e por aí vai. Isso não quer dizer nada. Só provoca angústia e insegurança nos pais e nos filhos. Antes de fazer tantas ressalvas, questione-se: "Isso realmente é crucial?" ou "Que lição meu filho vai levar disso?". Às vezes, a obsessão com a segurança pode ser mais danosa que os próprios riscos. 

Veja – Livros de auto-ajuda ou de como criar os filhos vendem como nunca. Eles são úteis?
Lidia – Depende. A maioria dos pais ignora a fase de desenvolvimento dos filhos. Se soubessem como são os comportamentos típicos de cada idade, educar ficaria mais fácil. Por exemplo: é normal um menino de 6 anos querer comer com a mão. É normal chegar à adolescência e, durante uma briga, dizer que odeia os pais. Ciente disso, fica mais fácil gerenciar, lidar com essas questões. Ao contrário, tudo pode se tornar um drama. A mãe pensa: "Ah, vou deixar minha filha fazer o que ela quiser, porque eu não agüento ouvir isso". Os livros são úteis para isso. Para informar como é uma criança, um adolescente. Mas livros que falam como fazer seu filho ficar rico ou virar um gênio não podem ser levados a sério. 

Veja – Por quê?
Lidia – Porque não existe um padrão, um modelo em que se possa enquadrar todo mundo. Esses livros servem para aliviar a culpa de alguns pais. Eles acham que lendo um manual vão aprender a ser perfeitos. Os pais sentem muita culpa porque passam muito tempo longe dos filhos. Mas é uma realidade hoje. É preciso ter noção de que seu filho não vai virar um desajustado porque não está 24 horas a seu lado. Nem ele nem os amiguinhos ficam tanto com os pais. Dito assim, parece óbvio, mas os pais devem educar os filhos de acordo com seus valores pessoais, não pelo valor dos autores de livros. Têm de entender que só eles são capazes de tomar decisões e passar valores para suas crianças. 

Veja – A senhora costuma dizer que não há pais permissivos, há pais negligentes e com pouco afeto. Por quê?
Lidia – Fizemos várias pesquisas na Universidade Federal do Paraná com cerca de 1 500 crianças de escolas públicas e particulares. Hoje, tem-se a impressão de que a maioria dos pais é tolerante demais. Descobrimos o contrário. Há muito pouco afeto em jogo. 

Veja – Qual o maior dilema dos pais?
Lidia – Sem dúvida, é a questão de bater ou não bater. Porque a maioria apanhou, e quem apanhou acha normal bater. A outra dificuldade é sobre questões cotidianas, que a gente chama de supervisão inadequada, excessiva. Os pais estão estressados, têm pouca paciência. É muito mais eficiente dizer: "Olhe, eu vou chamar você uma vez para almoçar. Se não vier agora, só vai comer na próxima refeição". 

Veja – A senhora coloca a palmadinha de leve no mesmo patamar de uma surra? Não é exagero?
Lidia – O princípio é o mesmo: eu uso o poder e a força para obrigar você a parar de fazer alguma coisa. Em 99% dos casos a palmada é usada quando os pais estão com raiva. Isso aumenta o risco de a punição se transformar em maus-tratos porque você está descontrolado. O único resultado positivo da palmada é que a criança pára de perturbar na hora. E esse é um dos aspectos perversos do tapa: por ter efeito imediato, os pais o utilizam com muito mais facilidade e freqüência. Há um estudo da professora Elizabeth Gershoff, da Universidade Columbia, provando o mal da palmada a longo prazo. Há dez aspectos negativos observados para cada um positivo. Mulheres que apanharam dos pais na infância costumam encarar com mais naturalidade a violência do marido, por exemplo. Há uma ligação estreita com o aumento de agressividade, de comportamento delinqüente e anti-social. 

Veja – Estamos falando de uma palmadinha...
Lidia – Ainda assim. No estudo de Gershoff é feita essa diferença. São várias análises que levam em conta o que se chama de punição normativa e o abuso físico de fato. Então, alguém pode dizer: "Eu apanhei dos meus pais e não sou anti-social". Tudo bem. Mas isso não prova muita coisa. A pesquisa é mais esclarecedora nesses casos porque reflete o que ocorre com a maioria das pessoas. É claro que, se você leva um tapinha mas é estimulado em casa a ter uma boa auto-estima, não vai virar um marginal. Se os pais forem muito competentes e usam uma palmadinha de vez em quando, isso não causa prejuízo. Mas eu pergunto: se são tão competentes, por que precisam bater? 

Veja – E o castigo?
Lidia – O castigo é muito eficiente. A retirada de privilégios é uma conseqüência lógica: "Você chegou às 11 da noite, era para chegar às 10, então da próxima vez vai chegar às 9". O filho precisa de regras, pois a vida adulta é cheia delas. Com adolescente, saber negociar também é vital. Outro dia, minha filha foi advertida na escola porque não fez a tarefa. Ela mesma veio até mim e disse: "Então, vamos ver o castigo que eu posso ter. Vai ter a festa da fulana, então eu não vou à festa". Causa e conseqüência. Isso vem de berço. É uma doutrina que se ensina desde pequeno. 

Veja – Qual o grande erro dos pais na hora de castigar?
Lidia – É quando não conseguem estabelecer regras coerentes de acordo com a idade, e consistentes de acordo com sua conduta. Você não pode dar um castigo conforme o seu humor. Por exemplo, aquela mãe que, depois que uma criança aprontou algo, começa a berrar: "Vai ficar um mês sem usar a internet!" ou "Vai ficar uma semana sem sair de casa!". É quase impossível manter isso. Então, só imponha castigos que você pode cumprir. Do contrário, seu filho vai perder a confiança e o respeito por você. 

Veja – Há técnicas eficientes de castigo para cada idade?
Lidia – Com crianças menores, há técnicas eficientes como o time out. É o famoso ficar no quarto trancado ou sentado sem levantar ou falar por alguns minutos. É preciso ter muito controle porque a criança pode chorar e berrar e você tem de se manter firme. Crianças nessa idade querem muita atenção. É nesses poucos minutos que elas vão sentir a pena. Calcule um minuto por ano. Três anos, três minutos de castigo. O que conta é que haja conseqüências imediatas. 

Veja – E se você está no shopping com seu filho de 6 anos, ele se joga no chão, começa a berrar feito louco porque quer um tênis de 300 reais? Como falar "Vamos conversar, meu filho" com o menino dando um escândalo?
Lidia – Você não vai falar isso na hora. Até porque vai estar com raiva também. Segure-o pelo braço e leve-o embora dali. Quando ele se acalmar, mostre as conseqüências da má atitude dele. Criança não nasce chata. Ela fica chata por causa dos pais. Se a criança faz birra e os pais cedem para se ver livres do escândalo, eles estão recompensando esse comportamento. Aí vira aquela criança insuportável, da qual os pais mesmos vão se afastar e dizer: "O gênio dela é ruim". Não existe isso. 

Veja – Os pais têm preguiça de ensinar?
Lidia – Eles têm de argumentar, o que é mais complicado. Dá muito mais trabalho do que simplesmente dizer não. Se seu filho quer um tênis de 300 reais "porque todos os amigos têm" e você não vai comprar, explique as razões. Diga que não é com um tênis que ele vai se tornar alguma coisa ou que é contra seus princípios pagar tão caro por um sapato ou simplesmente que você não tem o dinheiro. Mas diga o motivo sincero. Você não pode sair de lá e cinco minutos depois comprar uma bolsa de 500 reais para você. 

Veja – Como convencer pais que trabalharam o dia todo, brigaram com o chefe, passam por uma crise no casamento a chegar em casa e ter ânimo de argumentar com as crianças?
Lidia – Educação é trabalho. Se você tem um relatório para entregar para seu chefe no dia seguinte, você vai virar a noite, mas vai escrevê-lo. Se está com TPM mas tem uma reunião decisiva, você toma um comprimido e vai. Por que muitas pessoas não têm esse empenho quando se trata de educar suas crianças? É o que chamamos de "investimento parental". Tem de investir, tem de fazer um esforço, tem de dar a real importância a esse tempo com os filhos. Mas, se você não conseguir um dia ou outro, também não é o fim do mundo. 

Veja – E se os pais nunca fizeram isso? É possível mudar o comportamento depois de muitos anos?
Lidia – Há uma técnica que chamamos de quadrinho de recompensas, em que você foca nas coisas positivas feitas pela criança. É muito eficiente se usada depois dos 4 anos. Liste todas as tarefas que você considera positivas. Pode colocar até arrumar a cama, escovar os dentes, comer tudo. Quando a criança fizer isso, ela mesma vai até o quadrinho e se dá uma estrela. Quando um pai permissivo resolve mudar de atitude, a criança piora o comportamento no primeiro momento. Ela vai tentar obter a atenção com as armas que usava antes. Se fazia birra, vai fazer ainda mais. Então, tem-se de aguentar esse começo. 

Veja – Existe um caminho de como fazer de seu filho um adulto feliz?
Lidia – Fortalecer a auto-estima. É surpreendente, mas a maioria dos pais tem dificuldade de elogiar seu filhos. Eles temem parecer falsos. Mas é preciso insistir até conseguir. Se dois irmãos estão brincando e eles costumam brigar, em vez de dizer "Até que enfim, vocês estão brincando", diga: "Que bom, vocês estão brincando juntos". Sem sarcasmo, sem provocação. Os pais devem sempre mostrar que o amor deles pelos filhos é incondicional. Aquela coisa de dizer: "Ah, se você não comer tudo não vou mais gostar de você" mina a auto-estima da criança de um jeito quase irreversível. A criança tem de contar com o seu amor, mesmo que ela faça algo errado. 

Veja – Como fazer com que seu filho confie em você?
Lidia – Ouça, não julgue. Não avalie seu filho pelos seus padrões. Se sua filha vier lhe contar que "ficou" com dois meninos numa festa, não faça escândalo. O mundo mudou. Hoje isso é plenamente aceitável. Se você brigar, ela nunca mais lhe contará nada. Mas, se ela contar que transou com dois, aí é outra coisa. Seu papel é explicar que isso não é aceitável. Exponha as causas e as conseqüências de tal atitude, mas sem puni-la. Ensine desde a tenra idade seu filho a falar sobre si próprio. 

Veja – O que é fundamental na relação entre pais e filhos?
Lidia – Afeto, envolvimento, participação, saber quem são os amigos. É preciso monitorar. Não é ligar para o celular da criança ou adolescente a cada dez minutos. É mostrar que você se importa, que participa da vida deles, mesmo que, num primeiro momento, isso pareça intromissão. Não tenha dúvida: no futuro, eles agradecerão.




"Criança não nasce chata. Ela fica chata por causa dos pais".





"Tem-se a impressão de que os pais são tolerantes demais com os filhos. Descobri o contrário".


Entrevista retirada do site da revista Veja on-line, para acessá-la clique aqui.


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"Freud era uma lenda!"

Os psicanalistas que desculpem mas, com todo respeito, a entrevista a seguir é quente! E traz informações relevantes para os alunos iniciantes em Psicologia.

O Filósofo e historiador, Mikkel Borch-Jacobsen, professor da Universidade de Washington diz por que considera o pai da psicanálise uma fraude.

Essa entrevista foi retirada da revista Isto é, neste link.




O filósofo e historiador Mikkel Borch-Jacobsen não se esquiva de uma polêmica. A última década da sua carreira, dedicada aos estudos sobre a história da psicanálise e da psiquiatria, foi pródiga em livros e opiniões controversas que lhe renderam inimigos entre terapeutas do mundo inteiro. Começou a receber as primeiras críticas severas em 1996 com o lançamento do livro “Anna O. – Uma Mistificação Centenária”, no qual questionava as avaliações de Freud sobre uma das suas principais pacientes. Foi também um dos autores do “Livro Negro da Psicanálise”, uma das obras mais barulhentas já lançadas sobre o assunto. Agora, escreveu “Os Pacientes de Freud”, lançado recentemente no Brasil (Editora Texto e Grafia), no qual reconstrói a trajetória de 31 pacientes de Freud. Na obra, ele conta os motivos que os levaram até o analista e, principalmente, como viveram durante e depois do tratamento. A partir de documentos, como cartas trocadas entre o terapeuta e seus amigos e entrevistas confidenciais feitas com os pacientes de Freud, o autor desconstrói o mito do criador da psicanálise.



ISTO É -O que os relatos que o sr. apresenta em seu livro revelam sobre Freud e a psicanálise?



BORCH-JACOBSEN - As histórias dos pacientes de Freud foram a base das suas teorias. Quando percebemos que elas são falsas, como vemos ao analisar a vida dos pacientes que descrevo no livro, toda a teoria da psicanálise é abalada. O caso apresentado por Freud como sendo de Anna O., que hoje sabemos tratar-se de Bertha Pappenheim, por exemplo, é considerado um dos mais fundamentais para o desenvolvimento da psicanálise. A paciente tinha sintomas graves de histeria que, supostamente, Freud curou com o método catártico. Mas isso não é verdade. No fim do tratamento, ela já não suportava mais conviver com o problema e foi internada em uma clínica, onde continuou apresentando o mesmo quadro de histeria. Apenas seis ou oito anos depois, Bertha foi considerada curada. Não se sabe como ela se curou, mas é óbvio que não foi com a psicanálise, ninguém se cura por meio de um tratamento finalizado quase uma década antes. 


ISTOÉ - Os resultados terapêuticos eram insuficientes?



BORCH-JACOBSEN - Na maioria dos casos sim. Era comum que as condições dos pacientes piorassem, como no caso de Viktor von Dirsztay, que mais tarde chegou a admitir que a análise o destruiu. Muitos outros dos seus pacientes cometeram suicídio, como Margit Kremzir e Pauline Silberstein. Claro que qualquer terapeuta está sujeito ao risco de suicídio dos seus pacientes, mas a questão é que Freud nunca disse uma palavra sobre isso. 



ISTOÉ - Ele escondia esses fatos?



BORCH-JACOBSEN - Como um bom positivista, Freud sempre afirmou que suas teorias eram baseadas na observação de dados clínicos. Por um longo período, porém, tudo o que sabíamos sobre esses dados se baseava no que ele escolheu nos mostrar. Ao compararmos essas histórias com a realidade, observamos discrepâncias que automaticamente invalidam as conclusões de Freud. Os medicamentos, por exemplo, foram sistematicamente excluídos das histórias que ele contou, mas muitos dos seus pacientes eram viciados em morfina. Hoje é muito claro que a droga teve em alguns casos um papel essencial no tratamento. Freud dizia, por exemplo, que diante dos ataques histéricos de Anna von Lieben, a Cäcilie M. citada em “Estudos sobre a Histeria”, ele conduzia um tratamento hipnótico que a fazia se sentir melhor. O que ele não nos contava é que as crises dela eram causadas por abstinência de drogas e que ela se acalmava quando ele lhe dava uma injeção de morfina. A famosa cura catártica nada mais era do que cura com morfina. 



ISTOÉ -Os diagnósticos dele são questionáveis?


BORCH-JACOBSEN - Sim, os diagnósticos que Freud alegava fazer tão cuidadosamente escancaram discrepâncias entre sua prática real e suas descrições. Quando o pai da jovem Ida Bauer, que Freud eternizou como Dora, a levou até Freud devido a um episódio de asma, o analista instantaneamente diagnosticou neurose. Mas como ele poderia saber? Aquela era a primeira vez que ele a via. Há vários exemplos desse tipo e uma vez que definia seu diagnóstico, Freud o mantinha obstinadamente, mesmo que os fatos mostrassem a ele outro caminho. As consequências dessa postura frequentemente eram bem sérias, como quando Freud forçou Horace Frink a se divorciar da esposa para se casar com a milionára Angelika Bijur para combater a homossexualidade que o paciente negava vigorosamente. 

ISTOÉ - Freud chegava a dar conselhos tão diretos aos pacientes?

BORCH-JACOBSEN - Ele intervia diretamente na vida dos seus pacientes e não hesitou em instigar alguns a se casarem e terem filhos, por exemplo. Foi o que aconteceu com Max Graf e Olga Hönig, os pais do “pequeno Hans” – e o casamento foi um completo desastre. Em outros casos, Freud proibia pacientes de se masturbarem, como no caso da sua filha, Anna Freud. Sempre que essas instruções eram dadas, Freud era a voz da autoridade.

ISTOÉ - Ele acreditava que podia tratar a filha? 

BORCH-JACOBSEN - Freud queria muito ajudar a filha a se desligar dele e isso fica claro em várias cartas que ele escreveu a amigos. Mas a única coisa que ele podia oferecer a ela era a psicanálise, o que, obviamente, era a coisa mais estúpida que ele poderia fazer. Como ela conseguiria se curar se sua única ajuda era de um analista que era o próprio pai do qual ela deveria se desligar? Por mais óbvio que pareça, Freud não percebeu isso. Não estou dizendo que ele abusou da filha, de jeito nenhum, ele a amava. Mas estava tão convencido de que sabia como ajudá-la que não permitiu que ela se libertasse dele. 

ISTOÉ - Para Freud, a psicanálise sempre funcionava? 

BORCH-JACOBSEN - Sim, claro, ele acreditava que havia descoberto a cura para as doenças mentais. Freud tinha suposições teóricas que o impediam de ver o que estava acontecendo. Ele estava tão convencido de que a terapia funcionava que, quando ela não dava certo, ele simplesmente achava que era necessário ir mais fundo no inconsciente. Só no fim da sua vida, em seus últimos artigos, ele admitiu que os métodos eram inconclusivos em alguns casos. 

ISTOÉ - Mas em algum momento ele foi deliberadamente negligente ou desumano com seus pacientes?

BORCH-JACOBSEN - Sim, a forma como ele sacrificava seus pacientes no altar das suas teorias é vergonhosa. Marie von Ferstel, por exemplo. Ela era uma mulher rica que sofria de fobias e de constipação. Freud disse a ela que, para resolver esses problemas, ela teria que aprender a se desapegar, por exemplo, do dinheiro. O que ela fez? Transferiu para ele o título de uma das suas propriedades, que ele prontamente vendeu. Eu acho isso imperdoável. Freud simplesmente não era uma pessoa admirável. 

ISTOÉ - De que forma essas revelações atingem a psicanálise hoje?

BORCH-JACOBSEN - Não vejo como salvar a psicanálise diante de tudo isso. Eu sei que muitas pessoas admiram Freud como um pensador independentemente das vicissitudes de sua prática. Também acho que ele era um gênio, tinha ideias realmente incríveis. Mas as suas teorias são contraditórias demais às suas práticas para serem levadas a sério. 

ISTOÉ - O sr. aponta essas contradições em 31 casos e Freud atendeu pelo menos cinco vezes mais pacientes. Não poderia ser coincidência?

BORCH-JACOBSEN - Uma das minhas principais fontes de pesquisa foram as entrevistas com pacientes de Freud conduzidas por Kurt Eissler, que era secretário do Arquivos de Freud. Esse material ficou inacessível até 1999, quando Eissler morreu e, a partir daí, começou a ser colocado em domínio público, processo que só deve acabar em 2057. Eissler tinha enorme interesse em defender a memória do pai da psicanálise e se essas entrevistas fossem positivas não teriam sido tornadas confidenciais. Muita coisa ainda será revelada, possivelmente conseguiremos rastrear outros pacientes, mas não acho que as novas histórias irão contradizer as estatísticas que já temos.

ISTOÉ - Muitas pessoas afirmam hoje ter encontrado conforto na psicanálise. Não há nenhum valor nisso? 

BORCH-JACOBSEN - No meu ponto de vista, neuroses, como histeria e obsessão, não são doenças mentais, são pedidos de socorro. A análise cumpre, nesses casos, o papel que a religião cumpria antes. As pessoas iam até o padre para buscar respostas e as encontravam. Qualquer uma das centenas de tipos de psicoterapias que existem hoje pode cumprir esse papel. Reconheço que, em alguns casos, pessoas com problemas pessoais podem encontrar conforto no divã. 

ISTOÉ - Mas seus livros parecem tentar destruir a psicanálise.

BORCH-JACOBSEN - Eu sou um acadêmico e meu único interesse é separar as verdades das lendas. Freud é apenas uma lenda. Ele reescreveu a história de acordo com seus propósitos pessoais.

ISTOÉ - Essa sua postura crítica em relação à psicanálise acompanhou toda a sua carreira?

BORCH-JACOBSEN - Não, no início eu era simpático à psicanálise e tinha interesse especial na escola Lacaniana. 

ISTOÉ - E o que essa mudança significou profissionalmente? 

BORCH-JACOBSEN - Eu era constantemente convidado para conferências e para escrever artigos em revistas até que eu publiquei meu primeiro livro mais crítico sobre Freud. A partir desse momento, não fui mais convidado para nada. Não se pode ser crítico à psicanálise sem sofrer as consequências disso. 

ISTOÉ - O sr. também estudou a psiquiatria. Acredita que esse é um caminho mais válido para tratar doenças mentais?

BORCH-JACOBSEN - A psiquiatria não é uma teoria única, mas, de forma geral, fez enormes progressos, como se vê, por exemplo, nos diagnósticos de esquizofrenia, depressão e outras doenças. Do ponto de vista da cura, porém, ela não avançou. Temos várias drogas hoje que nos permitem controlar certos sintomas das doenças mentais, mas ainda não há cura para elas e nem mesmo se conhece suas causas. A psiquiatria tenta encontrar soluções, mas ainda não foi bem-sucedida. 

ISTOÉ - Qual é o próximo mito que o sr. pretende desbancar?

BORCH-JACOBSEN - Agora estou estudando a indústria farmacêutica. Sou muito crítico com as drogas psiquiátricas e, por isso, estou pesquisando esse universo do ponto de vista histórico.




"Os medicamentos foram excluídos das histórias que o psicanalista
contou, mas muitos pacientes eram viciados em morfina"





"Como Anna iria se curar se seu analista era o próprio pai do qual
ela deveria se desligar? Parece óbvio, mas ele não percebeu isso"

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Nosso blog tem a honra de iniciar a página de entrevistas com um pesquisador da Análise do Comportamento muito dedicado, Thiago de Barros, doutorando da Universidade de Brasília. Ele esclarece questionamentos comuns dos estudantes e/ou iniciantes da Psicologia. Confiram:


Nome: Thiago de Barros

Orientadora de Doutorado: Elenice Seixas Hanna (lattes)

Tema da dissertação de mestrado: Efeito do treino de discriminação simples sobre a aquisição de relações condicionais.

Tema da tese de doutorado: Equivalência de estímulos a partir de discriminações simples: uma comparação de procedimentos com monitoramento do movimento ocular


1) Thiago, relate brevemente aos nossos leitores um pouco sobre sua história dentro da Psicologia e o que fez com que você decidisse ser analista do comportamento.

Eu nunca pensei na Psicologia como uma opção. Entretanto, as contingências providenciaram que eu fizesse o vestibular, e, diante da boa colocação, decidi tentar. No início, senti o impacto da “diversidade” psicológica, como acredito que todo estudante sente, e, além disso, a necessidade de me posicionar diante de uma abordagem. Nesse aparente “caos” teórico, a Análise do Comportamento foi o sistema que mais me atraiu, em parte porque alguns pressupostos iam de encontro com minha percepção de mundo, e, mais importante, porque tive excelentes professores, que, além de me iniciarem na filosofia do Behaviorismo Radical, ensinaram-me a compreender o discurso científico, que propiciaram um refinamento do meu senso crítico a respeito das pessoas e do mundo com o qual elas interagem. 

2) A Psicologia possui diversos pontos de vista em relação ao ser humano e suas peculiaridades comportamentais, o que deixa seu objeto de estudo um tanto indefinido e proporciona certos “conflitos” entre as abordagens. Você acredita que esses conflitos são necessários para a evolução da profissão ou é possível haver diálogo e lidar com as diferenças?

Essa é uma questão que me incomoda muito, e, por isso, atrai muito meu interesse. Penso que um dia, talvez, será possível uma Psicologia integrada. Sobre o assunto, aprendi muito com um texto do Charles Catania (1973). No texto o autor fala especificamente do aparente conflito entre abordagens mentalistas ou cognitivistas e abordagens comportamentalistas; em síntese, sugeriu-se que os conflitos podem ser reflexos de uma má compreensão do que seriam diferentes problemas em Psicologia ao invés de diferentes Psicologias. Não sei dizer se os conflitos são necessários, mas sei que são presentes desde a dita fundação da Psicologia como ciência. Eu também considero o conflito importante para que haja sempre motivação entre os cientistas e pesquisadores para produzirem em favor de eliminar tais conflitos, ou até promoverem outros, permitindo assim a produção sadia de conhecimento. O diálogo é importante na lida com tais conflitos, porém, em um enquadramento de compreender o discurso da teoria “concorrente” de modo a conhecer diferentes olhares sobre os fenômenos psicológicos. 

3) Há pouco tempo você se formou mestre e atualmente continua a carreira acadêmica realizando um doutorado. Explique de que forma os estudos de laboratório influenciam na prática profissional do psicólogo, como a clínica por exemplo.

Essa é uma pergunta interessante, mas também bastante complexa de responder. Parece chocante dizer que, a pesquisa básica, como é chamada a pesquisa que usualmente ocorre em laboratório - não exclusivamente, mas também com animais não humanos – não tem como objetivo a produção de um conhecimento pronto para ser empregado em intervenções, como as clínicas que você citou. O papel do pesquisador básico tende a ser o de identificar princípios e leis fundamentais de seus fenômenos de interesse e estudo. 

A pesquisa aplicada, em complementação, atende aos requisitos de identificar regularidades naturais, porém, de fenômenos com alguma relevância social. O conhecimento produzido pela pesquisa aplicada (idealmente a partir do conhecimento produzido pelo pesquisador básico) fica assim mais “próxima” dos interventores ou dos analistas do comportamento que programam tecnologias comportamentais em prestação de serviços, lembrando que a aplicação de tecnologia não está comprometida, na maioria das vezes, com a produção de conhecimento. 

Atualmente há discussões sobre uma modalidade de pesquisa chamada translacional, que, em poucas palavras, seria a ponte entre a pesquisa básica e a pesquisa aplicada. Eu diria ainda, que, um psicólogo clínico que cria estratégias para coletar dados durante sua atuação enquanto terapeuta estará contribuindo em grande ordem, para o desenvolvimento de um conhecimento mais apurado e assim favorecer o delineamento de técnicas terapêuticas cada vez mais eficientes, e, além disso, a prática de coletar dados pode e deve influenciar positivamente o comportamento do terapeuta, uma vez que haverá fontes mais potentes de controle para os “dados” fornecidos por seus clientes em terapia. 

A minha pesquisa de mestrado, por exemplo, foi uma investigação de processos básicos de aquisição de controle de estímulos textuais em crianças não alfabetizadas. Havia um interesse em descrever o processo de aquisição, e não uma tentativa de alfabetizar as crianças, embora os processos investigados pudessem ser levados em consideração para discutir procedimentos de alfabetização. Em suma, acho importante que o estudante tenha clareza das fronteiras e interdependência entre as múltiplas atuações científicas, seu dinamismo e etapas, até que haja um conhecimento consistente para embasar uma tecnologia. Vou deixar como referência um livro do Jay Moore (2008) que discute as linhas divisórias e as competências de cada um desses “setores” em Análise do Comportamento e Behaviorismo Radical. 

4) Você que está dentro da universidade e tem acompanhado diversas linhas de pesquisa analítico-comportamentais, o que você destacaria como informações inovadoras ou dados relevantes sobre as tecnologias comportamentais da atualidade?

No meu caso, tenho tido mais contato com literatura de pesquisa básica, entretanto, os processos de controle de estímulo que estudo, em principal com os componentes do grupo de pesquisa que participo, são excepcionalmente motivadores para se pensar em aplicações tecnológicas, em diversos setores. Eu me refiro aqui aos processos estudados na área de equivalência de estímulos, mas também em outras áreas correlatas (por exemplo a Teoria dos Quadros Relacionais). Essas pesquisas começaram na década de 70, portanto, há muito que se investigar em termos de processos básicos, entretanto, a pesquisa básica e alguns relatos de intervenção fomentam a aplicabilidade e riqueza dos procedimentos empregados, principalmente em contextos educacionais de aprendizagem formal. Deixo uma referência de uma revisão recente sobre aplicações tecnológicas dos procedimentos de equivalência de estímulos. (Fiorentini, Arismendi & Yorio, 2012).

Também indicaria as pesquisas sobre desvalorização ou desconto de produtos em função do atraso para seu recebimento. Alguns autores, analistas do comportamento, indicam que a área de estudo do desconto pelo atraso é um exemplo paradigmático de pesquisa translacional, por lidar com processos básicos e estar relacionado com temas de relevância social. A pesquisa é recente, do início da década de 1990 e tem intrincadas relações com a economia comportamental. Deixo uma referência sugestão com uma boa revisão sobre o tema. (Critchfield & Kollins, 2001).

Também é sempre bom pesquisar os periódicos referenciais de nossa área, cujos conteúdos são disponibilizados gratuitamente pela internet: o JEAB (Journal of Excperimental Analysis of Behavior) para relatos de pesquisa básica e questões conceituais e o JABA (Journal of Applied Behavior Analysis) para relatos de pesquisa básica e questões conceituais. 

5) Em sua opinião, qual o papel da Análise do Comportamento na sociedade? 

Posso responder essa questão com bastante entusiasmo se eu for elencar alguns dos possíveis meios de atuação do analista do comportamento em questões sociais, desde as ventiladas pelo Skinner (1953) em Ciência do Comportamento Humano, até as discussões mais recentes relacionadas com metacontingências, por exemplo. Entretanto, minha resposta seria com pesares negativos se eu fosse tentar elencar, onde vejo efetivamente o analista do comportamento inserido em campos de atuação que lhe é de direito (afinal, onde há organismos, há comportamento, há trabalho para analistas do comportamento); principalmente no Brasil. Nesse momento de minha formação acadêmica e pelo que consigo observar e avaliar, nós, analistas do comportamento, precisamos estar mais inseridos em diferentes áreas, publicando em diferentes periódicos, participando de diferentes congressos. Enfim, precisamos ainda definir nosso papel, para além de projeções teóricas, quebrar os muros invisíveis da academia, e fazer socialmente útil a ferramenta de trabalho espetacular que temos: análise de contingências. 

6) O que você tem a dizer para os estudantes de Psicologia que ainda não decidiram qual abordagem seguir?

Eu diria que aproveitem ao máximo o curso e tentem ler e conhecer um pouco de cada coisa, o momento de formação é muito importante. Eu penso que se o aluno fizer as disciplinas de todas as abordagens sem preconceitos, e com objetivo de realmente aprender e construir um repertório de um bom profissional em Psicologia, a escolha pela abordagem ou campo de trabalho, emerge, acredito eu, de maneira natural. Se meu conselho tivesse que ser em apenas uma palavra, seria: “Leiam”! E, se me fosse dada mais uma, acrescentaria: “Questionem”!

Lembrando sempre que: “A Psicologia precisa de vocês”!
Um abraço!

Referências Bibliográficas:

Catania, A. C. (1973) The psychologies of structure, function, and development. American Psychologist, 28, 434-43.

Skinner, B.F. (2003). Ciência e comportamento humano. (J. C. Todorov & R. Azzi, Trads.) São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1953).

Moore, J. (2008). Conceptual foundations of radical behaviorism. New York: Cornwall-on-Hudson.

Fiorentini, L., Arismendi, M., & Yorio, A. A. (2012). Uma revisíon de las aplicaciones del paradigma de equivalencia de estímulos. International Journal of Psychology and Psychological Therapy, 12, 261-275.

Critchfield, T. S., & Kollins, S. H. (2001). Temporal discounting: basic research and the analysis of socially important behavior. Journal of Applied Behavior Analysis, 34, 101-122.

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